Circuito de Arte do Barreiro: fomos visitar o Viaduto das Artes

Idealizado por Leandro Gabriel, o Viaduto das Artes é um espaço cultural múltiplo que abriga várias manifestações, como artes visuais, gastronomia e moda

Patrícia Cassese | Editora Assistente

Localizado na avenida Olinto Meireles, 45, no Barreiro, no espaço situado sob o Viaduto Engenheiro Andrade Pinto, o Viaduto das Artes é um exemplo de espaço que, mesmo tendo passado por um processo radical de revitalização (antes de abrir as portas), conseguiu, ao fim, não ultrapassar a linha tênue que separa este tipo de intervenção do risco de incorrer na temida gentrificação. Portanto, desde a abertura ao público, há cerca de dez anos, o Viaduto das Artes tornou-se um espaço cultural que, ao abarcar variadas frentes (de exposições de artes visuais ao beach tennis, passando pela gastronomia, com o Viaduto Café, pela música e, mais recentemente, pela moda), atrai visitantes de todas as regiões da capital mineira, mas, principalmente, é um local destinado à população local. Um ponto para a fruição de atividades que agregam conhecimento e, tal qual, para aquelas destinadas ao lazer.

Sendo assim, o Viaduto das Artes é uma espécie de equipamento hors concours quando o assunto é o circuito cultural do Barreiro. No que tange às artes plásticas, atualmente o espaço-galeria acolhe uma exposição do coletivo Almofadinhas, formado por Fábio Carvalho, Rick Rodrigues e Rodrigo Mogiz. Mas há, ainda, um espaço Viaduto Café (visando a formação e capacitação de baristas, sendo os alunos moradores da comunidade ou egressos do sistema prisional), ateliê, biblioteca e sala para oficinas. Não bastasse, uma lojinha (com produtos como bonés, camisetas e ecobags com a identidade Viaduto das Artes) e a quadra de beach tennis (fotos abaixos).

Não bastasse, como o Museu de Arte da Pampulha (MAP) encontra-se com o edifício sede em período de preparação para obras de restauro, este ano, as residências artísticas do Bolsa Pampulha serão realizadas no Viaduto das Artes, onde funcionará o ateliê coletivo.

Leandro Gabriel

À frente da empreitada, um nome merece especial atenção: o do artista belo-horizontino Leandro Gabriel, que, no dia 1º de março, recebeu, com muita gentileza e um largo sorriso, a equipe do Culturadoria. “Sou nascido e criado no Barreiro”, disse ele, de pronto, ao ser perguntado sobre o embrião da iniciativa que resultou na criação do Viaduto das Artes. Assim, enquanto morador da região, o viaduto, claro, era um espaço integrado ao dia a dia de Leandro, bem como ao de outros moradores. No entanto, até 2006, a situação do entorno não era propriamente das mais atrativas.

O artista Leandro Gabriel, mentor do Viadutos das Artes, no Barreiro (Foto: Patrícia Cassese)
O artista Leandro Gabriel, mentor do Viadutos das Artes, no Barreiro (Foto: Patrícia Cassese)

“Na verdade, era uma mini Cracolândia, um lugar no qual pequenos furtos eram habituais”, conta ele. Não só. Tal qual, um banheiro a céu aberto. Aliás, Leandro conta que o ponto estava tomado por fezes. “E, veja, a entrada do Barreiro é por aqui. Então, quando você tem, já na entrada do bairro, tanta discriminação em relação ao espaço… Porque a verdade é que as pessoas tinham até medo de passar por aqui. Então, pensamos: ‘Gente, vamos mudar esse bairro, mudar essa entrada, esse caminho de entrada”, revela. Inclusive porque, acrescenta, a imagem que, ao fim, ficava era a de que o próprio Barreiro, como um todo, era um lugar violento. “Desse modo, a gente partiu para mudar essa imagem, tentando trazer vida para o espaço. E foram vários anos de mobilização para que a gente conseguisse essa transformação (Leandro chegou ao local em 2006, assim, foram anos antes de abrir as portas ao público)”.

Plural

Ou seja, em um espaço degradado, destinado ao uso de drogas, Leandro Gabriel viu a possibilidade de criar um polo de arte. “Mas foram vários anos de luta (para o público, o espaço foi aberto em 2014) – verdade seja dita, a luta continua até hoje, mas, agora, sob uma outra perspectiva, a de que uma transformação é, sim, possível. O viaduto, pois, ele nasce para ser um espaço de arte, de artes plásticas, e acaba virando um espaço para múltiplas manifestações artísticas. Hoje, a gente tem a linguagem da música, a gastronomia, as artes visuais e, agora, a moda”. Nesse sentido, Leandro esclarece que um ponto importante a ser sublinhado é que a ampliação do leque de ações do Viaduto das Artes se dá em sintonia às demandas da própria comunidade.

Demanda

“Assim, a gente vai mapeando o que a comunidade busca, e, daí, tenta ajudar nessa transformação por meio da qualificação, trazendo curadores, trazendo pessoas com uma formação superior em relação a cada assunto”, prossegue Leandro. Ou seja, sempre detectando demandas. “Então, o viaduto entra em cena como um guarda-chuva para (abrigar) essas ações que já acontecem no Barreiro. Veja, a gente não está trazendo nenhuma ação nova (para a região). Apenas está tentando qualificar e melhorar o que já existe no bairro. As pessoas precisam de visibilidade, precisam de apoio. Desse modo, o viaduto nasce com o intuito de ajudar a comunidade”.

Perspectivas

No curso da história, a Associação Viaduto das Artes passou a ter uma segurança maior por meio do decreto 16234/2016, pelo qual obteve o uso da construção, no sistema de comodato, pelo prazo de 10 anos, ou seja, até 2026. Mas, de acordo com Leandro, a perspectiva de continuidade é boa. “Pelos projetos e pelas ações desenvolvidas. Então, a gente quer continuar, e penso que a prefeitura também tem esse interesse, já que, hoje, qualquer baixo de viaduto é passível de ocupação para fins culturais, sociais e esportivos, né?”, diz ele, referindo-se à Lei nº 10443/2012, de 28 de março de 2012, uma política da esfera municipal que visa o aproveitamento desses espaços.

“Agora, o que a gente busca para o futuro do Viaduto é ampliar cada vez mais as atividades e os projetos aqui oferecidos. Assim, o espaço está se qualificando também na seleção de gestão, na questão de capacitação, na questão da captação de recursos. Porque todos os projetos geram uma demanda muito grande de recursos. Então o viaduto vem se fortalecendo nesses aspectos, sempre tentando ajudar a comunidade”.

Novidade no front

Leandro Gabriel aproveitou a visita do Culturadoria para dar uma notícia em primeira mão. “No início de março, assinamos um termo de parceria com a Prefeitura de Contagem. Assim, estamos assumindo o Viaduto Bernardo Monteiro, que, por incrível que pareça, tem uma história bem similar ao do Barreiro”. Primeiramente, Leandro Gabriel refere-se ao fato de o bairro Bernardo Monteiro ser mais antigo que a própria Contagem. “Caso do Barreiro, que é mais antigo que BH”. Mas não só. Mais uma vez, eles assumem um espaço que passou por um processo de degradação no curso do tempo.

“Agora, tem uma diferença, porque aqui, no Barreiro, a gente pega um lugar totalmente abandonado. Lá, a gente assume um espaço, que é uma estação de trem antiga, já revitalizado. Mas estamos assumindo outros equipamentos que estão do lado, que é um galpão, que é uma área do entorno, que a gente precisa revitalizar. Desse modo, a gente ‘recebeu as chaves’ e já começamos a pensar um projeto junto à comunidade do entorno para o desenvolvimento de atividades lá. Em tempo: a previsão de inauguração é início de abril.

A moda

Também no início de março o Viaduto das Artes inaugurou um projeto visando a moda: o Viaduto Arte e Costura. “Não é só ensinar corte e costura, mas, também, desenvolvimento de moda. Assim, pensar tecidos, pensar uma coleção para o Barreiro, contar a história do Barreiro através de modelos de roupa. Por meio de tudo isso, a gente contar um pouco da nossa história, que é muito bonita”. O núcleo de costura foi montado com equipamentos de alta qualidade, com o apoio da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba – Codevasp.

De antemão, a questão da moda alinha-se à diretriz de o Viaduto das Artes do Barreiro procurar absorver tudo o que a comunidade propõe, como já ocorreu com a cafeteria e o beach tennis. “A moda está muito ligada à questão da arte. E o Barreiro talvez seja a região de BH que mais tem confecções. A gente tem facções de grandes marcas por aqui. Sendo assim, pensamos: Por que não transformar o que já existe em um polo de moda? A intenção é bem isso, mostrar o que a gente produz e começar a emplacar uma moda do Barreiro, assim como a gente trouxe a experiência do café, de consumir um café de qualidade. Ou seja, trazer o que há de melhor para a nossa região”. Ah, sim. Ele diz que há outros projetos no horizonte. “Mas, por ora, a gente ainda não pode dar spoiler“, despista.

Um café, por favor (ou a gentileza transbordante de Carlos Alberto)

Ao visitar o Viaduto das Artes, a equipe do Culturadoria teve o prazer e a satisfação de conhecer Carlos Alberto, coordenador do projeto Viaduto Café. A iniciativa, vale dizer, é uma parceria com o Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG, que, assim, visa capacitar egressos do sistema sócio educacional e prisional do estado. Mas claro, também atende a comunidade. “Os apaixonados por café podem vir”, convida Carlos. Desse modo, os alunos fazem as aulas teóricas dentro do Viaduto das Artes. Já as aulas práticas acontecem na escola-container, que fica no espaço externo (foto abaixo).

O simpático Carlos frisa que o curso tem como foco os cafés especiais, que têm uma série de particularidades. “Não é qualquer café”. O coordenador enfatiza que Minas Gerais é o maior produtor e exportador de café do Brasil. “Assim, queremos mostrar a riqueza do nosso café”. Ah, sim. A reportagem foi mimada com o preparo, por parte de Carlos Alberto, de duas rodadas de café, o coado e o expresso, ambas preparados com grãos especiais. Adoramos!

Carlos Alberto, coordenador da escola café, mostra os equipamentos que todo bom barista precisar dominar (Patrícia Cassese)
Carlos Alberto, coordenador da escola café, mostra os equipamentos que todo bom barista precisar dominar (Patrícia Cassese)

No meio do caminho, uma galeria

A galeria de exposições do Viaduto das Artes, no Barreiro, tem aproximadamente 200 metros quadrados. “Ela é toda climatizada e com iluminação de galeria de arte, ou seja, uma galeria profissional, com entrada de produção”, diz o artista, fotógrafo e coordenador da galeria Daniel Moreira. Ele conta que o Viaduto das Artes tem uma programação de exposições anuais, “que a gente geralmente sempre fecha no início do ano”. “Atualmente, a gente está com a exposição dos Almofadinhas, que são três artistas plásticos que trabalham dentro da temática da costura, do bordado, dialogando com a arte contemporânea. Mas geralmente a gente faz seis exposições (por ano)”.

O artista Daniel Moreira, coordenador da Galeria de Arte do Viaduto do Barreiro (Foto: Patrícia Cassese)
O artista Daniel Moreira, coordenador da Galeria de Arte do Viaduto do Barreiro (Foto: Patrícia Cassese)

No entanto, Daniel Moreira lembra que esse ano é atípico, pelo fato de o Viaduto das Artes do Barreiro estar executando e coordenando o Bolsa Pampulha. “Ou seja, um importante programa de residência artística, com a parceria do Museu de Arte da Pampulha e da Fundação Municipal de Cultural. Então, terminando essa exposição (do Almofadinhas), a gente fecha (a agenda). Quer dizer, não que a gente feche a galeria, a galeria vai ficar aberta para quem quiser visitar. Só que, no caso, vira um grande ateliê”.

Um dos belos e instigantes trabalhos dos Almofadinhas, coletivo que está com exposição no Viaduto das Artes (Patrícia Cassese)
Um dos belos e instigantes trabalhos dos Almofadinhas, coletivo que está com exposição no Viaduto das Artes (Patrícia Cassese)

Processo

Este ano, o edital do Bolsa Pampulha contempla 11 bolsistas, sendo 10 artistas residentes e um curador, e vai durar seis meses. “Então, quem tiver a curiosidade de vir aqui, acompanhar a produção dos bolsistas do Pampulha, o viaduto estará aberto para receber”. O processo de criação, os encontros, serão realizados ali. “E ao final de todo esse processo, a gente faz uma exposição e o lançamento de um livro, com a publicação de todo o processo da residência artística. Aí, a gente passa a receber as exposições que já estão na nossa agenda”.

Esse processo, prossegue Daniel, para o Viaduto das Artes, é muito importante. “Porque o Barreiro é um bairro de 350 mil habitantes no qual a gente não tinha um museu. Não tinha uma galeria de arte. Claro, a gente tem centros culturais que atendem a uma demanda do bairro, mas não havia uma galeria de arte toda adaptada aos padrões de galerias museais, ou seja, com ar-condicionado, iluminação própria, com equipe de apoio para montar as exposições, para ajudar no processo de produção das mostras”.

Descentralização necessária

Assim, lembra Daniel, antes do Viaduto, para conferir uma exposição de arte, o morador do Barreiro “tinha que descer para o Centro”. “Agora não, a gente está criando um fluxo contrário. As pessoas da região Centro-Sul estão vindo para o Barreiro para ver as exposições (como as da artista Berna Reale, que fez a primeira individual na capital mineira por lá). Abaixo, outro trabalho do coletivo Almofadinhas.

O coordenador da Galeria do Viaduto das Artes entende que o processo de descentralização da arte não é só um processo de trazer as pessoas de fora para o Barreiro. “Então, além da galeria, a gente apoia exposições em outras cidades, em outros locais. Porém, tudo parte daqui, da galeria do Viaduto das Artes. Aqui a gente faz o planejamento, coordena a equipe. E temos projetos que inclusive se expandem para o resto do Brasil. E um detalhe importante: tudo gratuito. A gente não cobra nada nem dos artistas nem dos visitantes. Desse modo, dentro nosso recorde curatorial, a gente tenta atender o máximo de pessoas que a gente consegue, sempre gratuitamente”.

Do papel para a prática

Na verdade, o Viaduto das Artes tenta obter patrocínios para, assim, oferecer um conteúdo relevante. “Para, assim, levar o universo das artes visuais a mais pessoas. A gente costuma falar que é muito difícil ver alguma criança, em idade escolar, ao ser indagada sobre o que quer ser quando crescer, essa pergunta clássica, responder: ‘artista’. Geralmente, querem ser bombeiros, médicos, pilotos, astronautas… Mas artista, não, porque não existe uma formação de arte no país. Uma formação séria, digo, que não se limite apenas a um recorta e cola no jardim de infância”.

Serviço

Viaduto das Artes (Av. Olinto Meireles, 45, Barreiro)

De segunda a sexta, das 10 às 17h. Em caso de eventos, o horário pode ser consultado no perfil do Instagram.

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