Afeto, memória e acolhimento: conheça o Tertúlia Espaço Cultural

O Culturadoria visitou o Espaço Tertúlia, no Barreiro, uma iniciativa de Juliene Levone Prado que espraia arte e cultura

Patrícia Cassese | Editora Assistente

Na hora de prestar vestibular, a mineira Juliene Levone Prado cravou a opção pelo curso de Engenharia. O diploma, porém, acabou sendo respeitosamente arquivado. “Hoje, costumo dizer que sou uma engenheira que desconstrói”, brinca ela. “Ou melhor, descobri que, na verdade, sou uma engenheira humana. Gosto mesmo é de gente, (bem como) desse movimento de reconstruir lugares e contar histórias”. A transição profissional de Juliene resultou na abertura de um espaço no qual a cultura é, sem sombra de dúvida, o principal pilar de sustentação: o Tertúlia.

Situado na rua Lúcio dos Santos, 236, no Barreiro, o Tertúlia Espaço Cultural é uma casa acima de tudo acolhedora. Impossível, pois, passar algum tempo ali e não ser de alguma forma afetado, sair modificado. De início, pela recepção calorosa e tocante da própria anfitriã. Esbanjando uma elegância ímpar e uma gentileza contagiante, Juliene Levone recebeu a equipe do Culturadoria numa sexta-feira à tarde que foi marcada por ótimas conversas e acolhimento, além de – claro, como não? – um delicioso lanche, com direito a pão de queijo assado na hora.

Ponto de virada

Em meio à visita, Juliene contou que o ponto de virada de sua vida profissional se deu durante uma viagem à Colômbia. Foi em 2018 que a hoje timoneira do Tertúlio viajou para o país por conta de um intercâmbio realizado na cidade de Medellín. Tratava-se de uma parceria entre a Associação Internacional de Estudantes de Economia e Ciências Comerciais – AIESEC e a ONU, na qual ela atuou como voluntária em duas frentes: erradicação da pobreza e redução da desigualdade, nos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS).

“Lá, trabalhando com as crianças em meio às comunas, me perguntaram: ‘Por que você está aqui se na sua comunidade, no seu território, vocês têm os mesmos enfrentamentos, os mesmos desafios?”. Foi o suficiente para acender a chama em Juliene. “Pensei: por que não? Por que não fazer esse movimento lá, na minha comunidade? Então, voltei para o Brasil já com a ideia da construção desse espaço. Ou seja, o Tertúlia nasce já nesse sentido de fazer sonhos, projetos, se transformarem em realidade”, conta ela.

Pandemia

Evidentemente, o afã de Juliene para abrir as portas do Tertúlia foi bruscamente adiado por conta do advento da pandemia do novo coronavírus. Só em 2022, portanto, o endereço passou a efetivamente ser um espaço cultural.

O espaço

A casa onde o Tertúlia funciona, vale dizer, foi a residência da avó paterna de Juliene, Dona Julieta. É um imóvel da década de 1940 que desponta com a proposta de receber artistas, empreendedores e pessoas que têm um sonho. Assim, o Tertúlia Espaço Cultural é, hoje, um espaço de múltiplas facetas. Sedia exposições, cursos – o próximo será sobre o Teatro do Oprimido, numa iniciativa em parceria com o Viaduto das Artes -, ambiente de leitura, palco e até mesmo pode, eventualmente, hospedar artistas ou escritores que vêm a BH.

Às quintas-feiras, o espaço funciona também como coworking. “Assim, a gente abre as portas para receber pessoas que queiram trabalhar, aprender, ler, descansar, relaxar.. Enfim, se sentir pertencentes a um lugar, a um espaço”.

O nome

Ah, sim. O nome escolhido para batizar o espaço, por sua vez, vem do espanhol “tertulia”, que significa “grupo de pessoas que discutem ou conversam”. Ou seja, tudo a ver com as diretrizes que são caras à empreendedora, sempre pensadas no plano da horizontalidade. Assim, a troca de ideias, o diálogo constante, o despertar de reflexões e provocações, a transmissão de saberes, o aprendizado, a fruição de experiências, a valorização da memória (com o respeito à ancestralidade, aos que abriram caminho) e o exercício da escuta, entre outros.

Antes de assumir as rédeas do empreendimento, Juliene concluiu o curso de especialista em Gestão de Empreendimentos Culturais e Marketing Estratégico pela PUC Minas. Como aparece assinalado no próprio perfil do Espaço Cultural Tertúlia, o projeto assume “um movimento afro-referenciado”. Desse modo, visa potencializar artistas e empreendedores independentes, para que esses possam ocupar seu lugar de fala e pertencimento. Tal qual, (visa) promovê-los socioeconomicamente.

ExpoTertúlia

No caso das exposições, atualmente o Espaço Cultural Tertúlia abriga a exposição “A Dança dos Orixás”, de Lucas St Domingues, que traz a representação de 13 orixás.

Um dos pontos mais queridos do Espaço Cultural Tertúlia é o Quintal, onde situa-se o palco. “Aqui é onde meu pai criava suas histórias (o pai de Juliene foi escritor). Então, quem entra aqui acaba por dar prosseguimento ao legado que era dele, que é meu, que é também de todos. É da comunidade, de quem ama a cultura e acredita em dias melhores”.

Aliás, as referências dos ascendentes de Juliene estão em vários pontos da casa, inclusive por meio de objetos hoje vintage que, mesmo estando ali por conta da memória afetiva que evocam, de quebra acabam conferindo um charme ao ambiente.

Sala da Memória

O afeto, aliás, é uma constante no Espaço Cultural Tertúlia. Há uma sala da memória, na qual vê-se uma árvore é composta por fotos tiradas na infância das várias pessoas que participaram, no final do ano passado, do Festival Tertúlia Raízes. “Gosto muito de falar dessa árvore, porque a verdade é que, na cultura, a gente nunca chega sozinho. Então, essa turma me ajudou a construir a ideia desse espaço, quando ele ainda era uma semente. E, assim, começou a germinar”.

Outro destaque é um lambe, de Flaviana Lasan e Ricardo Burgarelli. Trata-se de um suporte para a história da região do Barreiro, com representações que apontam desde as nascentes às primeiras famílias que ocuparam o espaço e, assim, ajudaram a construir o território. As informações vêm de pesquisa empreendida pela professora Modesta Maria Soares de Paula, autora do livro “Barreiro desde 1855: Várias Histórias para Contar” (198 páginas, Escola Cidadã Editora). O lambe traz, ainda, mensagens de militantes da periferia, sejam poesias ou reflexões (foto abaixo).

Artistas

Ao lado, há um acervo de obras de artistas independentes que, conta Juliane, visitaram o Tertúlia e deixaram pedacinhos da história. “Ou seja, aqui tem uma multidão de histórias, porque somos muitos. Então, tem, por exemplo, a Paula Leal, que trabalha com design ancestral e criou a marca. Do mesmo modo, o Felipe Melo, que trata muito a questão da invisibilidade dos povos negros, a ocupação dos espaços. Tem o Felipe Gabriel também, que é um artista bem novo, 16 anos”.

Leitura

O quarto de Juliane, por seu turno, abriga uma estante de livros. “Então, as pessoas podem chegar, toda quinta-feira, das 14h até às 20h, que a casa estará aberta. Assim, as pessoas podem pegar o livro, sentar e ler”, diz ela, que também acalenta o projeto de construir uma sala de cinema. No caso das leituras, há um confesso incentivo à fruição de obras de autores negros, como Djamila Ribeiro e Conceição Evaristo. “É importante a gente se conectar com as nossas raízes, então, sim, aqui é um quarto, aqui é um acervo, aqui é um lugar de acolhimento, é um lugar de descobrimento”.

Serviço

Espaço Cultural Tertúlia

Rua Lúcio dos Santos, 236, Barreiro

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