Consumidor, não amola: não se aborreça com meros aborrecimentos. Por Lenio Streck

Logo do “Reclame Aqui”, plataforma online que permite a comunicação entre consumidores e empresas – Foto: Reprodução

Por Lenio Luiz Streck, em ConJur

Abstract: Ora Pro Nobis mostra a fragilidade do direito do consumidor

Antes de qualquer olhar simplificado, aviso: a coluna não é sobre Ora Pro Nobis. O chazinho serve como alegoria. Ou metáfora.

Ao trabalho.

Existem diversos órgãos de defesa do consumidor. Federais e estaduais. Mas, se existe tudo isso, por que é necessário um Reclame Aqui — site privado que resolve mais do que qualquer ligação ao SAC de qualquer empresa?

Boa pergunta. E se existe tudo isso e tantas atribuições, por qual razão as companhias telefônicas ligam dezenas de vezes para o utente, mesmo que este avise à companhia para que não faça mais isso? E por que tanta gente é enganada todos os dias por empresas e sites

No caso da Claro, Vivo etc., provavelmente os órgãos oficiais dirão que a responsabilidade é da Anatel (tente falar com a Anatel — argh). Mas antes disso não é uma questão de direito do consumidor?

Eu mesmo não somente fiz isso — liguei para a Claro e a Vivo — como também publiquei pedido de socorro no meu Twitter (X). A Claro, depois da Vivo e da Oi, inferni(za)m a minha vida e da minha esposa. E dos meus amigos. E dos que não conheço. Basta acessar o meu  @LenioStreck – X. Na semana passada me ligaram 28 vezes.

Comprei até um aplicativo por 300 e tal de reais para bloquear ou me avisar dessas picaretagens. Não adianta. Eles sempre têm um número novo.

A Sky (que deve ser aliada da Net, formando a Skynet, a empresa de o Exterminador do Futuro) se superou. Quem atende é Daniel, um robô. Acredite, mesmo se não quiser.  Depois de você fornecer todos os dados e apertar números, surge o “alguém” (na tecla sete disseram “logo você será atendido por alguém do nosso time”…).

Você, com cara e todos os sintomas de idiotez, fala com Daniel. Ele começa pedindo que você não use o viva voz. Para que ele possa entender melhor… Ele pergunta: você está perto do aparelho? Sim ou não? Aí você diz “sim”. E o tormento continua. Que coisa mais ridícula. Falar com um robô desse modo é dano moral. Psicanálise é cara. E, é claro, depois de falar com Daniel, nada é resolvido. Você continua sem sinal. Na véspera de Ano Novo. Viva Daniel. Viva a Sky. Viva o direito do consumidor de Pindorama. E um viva aos órgãos de defesa do consumidor que permitem essa anarquia e estado de natureza.

As telefônicas fazem de tudo. Propagandas dúbias sobre planos de telefonia, misturam preços de internet, dizem que a cobertura é total (todo o Brasil, mas na beirada da cidade já não funciona) e ainda atazanam o pobre do utente. No que funcionou nisso o órgão governamental?

Deixemos as companhias telefônicas. Pense no modelo “banking”. Ligue para o seu banco ou seu cartão de crédito. Tudo atendimento-robô. É bom quando quer reclamar de uma compra e tem de remeter cópias da documentação. Tudo se inverte contra o consumidor.  A presunção é contra você.

Ah, quando você está na estrada e paga pedágio caro e precisa reclamar de algo (por exemplo, vias bloqueadas de forma estúpida, por vezes sob o olhar complacente da Polícia Rodoviária), você tem o número da ANT. Beleza. Ligue para lá. Trouxa. Já notaram como a Polícia Rodoviária faz bloqueios em casos de acidentes? Fazem de tudo para que as longas filas fiquem infinitas. Um esforço considerável. Vi algo assim pertinho de um pedágio no Paraná. Diziam que havia um poste caído. Numa estrada larga, de três pistas. Fecharam o pedágio. Depois de uma hora, tentamos ver o lugar do sinistro… e nada encontramos. Mistérios das estradas.

Ninguém dos órgãos de fiscalização assiste TV? Ninguém compra nada nas redes? Já lidaram com coisas tipo mercado livre e quejandos? Tentaram devolver mercadoria ou receber dinheiro de volta? Ah, o site não é responsável…, mas, então, quem será?

Deem uma olhada para o modo como os clientes — pessoas humildes — estão sendo enganados por venda de chazinhos-placebos tipo Ora Pro Nobis (agora já tem o Ora Pro — tipo Iphone 15 Pro) e remédio para enxergar melhor. Sim, as propagandas dizem “tome umas cápsulas e termina a dor no joelho e até vai enxergar melhor”.

Bom, os pastores das igrejas na TV curam joelhos com artrite todos os dias e pedem Pix. Daí a dúvida: o que é mais enganação? Tomar chazinho ou a promessa da cura via oração com copo d’água? Vi há pouco uma senhora atirando fora suas muletas… Impressionante. Dizem que dali ela saiu e foi fazer o número em outra igreja.

No Reclame Aqui vejo velhinhos se queixando: tomaram por meses placebos e as dores não passaram. Resposta do fornecedor: ora, Ora Pro Nobis (uso esse exemplo, mas há milhares dessas coisas) é suplemento alimentar…. Depende de cada pessoa.  Ah, bom. Diga lá, Sula Miranda (ela recomenda fortemente; diga lá Lucinha Lins). Diga, padre com topete lourinho, que, antes de rezar o terço, passa a bola para uma moça vender produtos tipo Ora Pro Nobis. Digam lá, diretorias dos órgãos de proteção da gente. E, vejam: isso atinge só gente pobre. Rico não compra essas coisas.  Tem um canal que vende joias. Bom, vejam no Reclame Aqui… Espantoso. Há reclamações de todo tipo — uma delas é a de que, semelhante às telefônicas, azucrinam a vida do pobre consumidor.

E os aeroportos? Ah, ligue para a Anac. E role de chorar. Seu voo foi cancelado? Colocaram você em um voo no dia seguinte? Poxa. Solução: entre em juízo. Nos juizados. Atravesse a cidade. Enfrente uma multidão. “Oiça” o meirinho gritando “de um lado os que aceitam conciliar” … E depois um(a) menino(a) “juiz(a) — sic- leigo(a)” mediará… e proferirá a decisão… E viva o acesso à justiça. E você perderá a ação sob o argumento “de mero aborrecimento”.

Vejam o “direito” (sic) do consumidor e o mero aborrecimento: um avião da TAM teve uma pane na noite do dia 26 de dezembro. Pousou de volta. Iria para Teresina. Os passageiros somente chegarão tarde da noite do dia seguinte, mais de 24 horas depois. Bingo. É disso que se trata. Pode a empresa levar 24 horas ou mais para reacomodar os passageiros?

De fato, estamos muito aborrecidos.

Ninguém leva a sério o consumidor. Se levasse, não haveria essa vigarice cotidiana nos diversos segmentos do comercio e indústria e serviços. Somos “atendidos” por máquinas. Robôs imitam teclar. Patético. E influencers (quando o sujeito fracassa em tudo, quem sabe vira influencer?) vendem coisas pelos quais não podem ser cobrados. Influencers (que ainda são beneficiados por incentivos fiscais, segundo denúncia do Estadão do dia 1º do ano) só são responsabilizados quando atropelam alguém, com carrões, e não conseguem fugir.

A propósito da cidadania: Gusttavo Lima recebeu mais de R$ 20 milhões em benefícios fiscais (beneficio do tempo da pandemia, mas que o governo esqueceu de tirar quando a pandemia acabou!). Pobrezinho. Está precisando. Muito. Wesley Safadão também (R$ 6,8 milhões). Os órgãos governamentais, preocupados com o pacote fiscal, esqueceram de olhar para dentro do próprio órgão.

Cantor sertanejo bolsonarista Gusttavo Lima – Foto: Reprodução

Sigo. A praga do atendimento via robô está em todos os lugares. Até o chaveiro da esquina tem um robô. A empresa que limpa o meu aparelho de dormir (Cpap) tem robô. O armazém onde compro cerveja e pão tem robô. O banco oferece comunicação… com um robô. Atenção: quem não venha alguém com a piada: ah, Lenio Streck está preocupado com os fabricantes de vela nos tempos da eletricidade… Ou alguém mais espertinho vir com Schumpeter: ah, a destruição criadora… Peço que me poupem. Melhorou você agora falar com um robô para marcar consulta médica? A Sky está melhor?

O Santander Banking atende, depois de passar por barreira de disque 1, 2, 3 (e 9 porque você é um trouxa) etc., dizendo a célebre frase “o que posso fazer por você hoje”? E aí você diz o que deseja. Depois que você já forneceu todos os dados, tem de fazer de novo. E validar com o token. E tudo no mesmo celular. Um dia não consegui. E tive que ligar de novo. Entrei num looping. Para, ao final, dar errado. Por exemplo, querer fazer uma operação tipo “pagar um automóvel ou parte dele”.

O banco “protege tanto” você que 3 horas depois (é literal, acreditem) você conseguirá remeter o seu dinheiro, depois de, por deslize do sistema, você se vingar e dar nota 1 para o atendente: imediatamente aparece alguém. Finalmente, dá certo. Por vias tortas. Alvissaras. Mas só porque você deu nota 1. Eles não gostam…!

Os robôs transformaram a vida das pessoas em um inferno. E quem protege você? O bispo? Ah, o bispo está supervisionando a venda de placebos e crucifixos benzidos. Isso na parte dos católicos e seus vários canais de TV. E as igrejas outras (pentecostais e neopentecostais), todas com canais concedidos pelo poder público, fazendo curas “em nome de o senhor Jesus” — com pedido explicito de Pix e boletos. Lembremos do pastor/presbítero/missionário que “curou” mais de 100 mil infectados por Covid. Menos ele mesmo. Alguém dirá: isso não é questão de consumidor. Claro. Quem é esse desconhecido — o consumidor?

TV a cabo? Intervalo comercial a cada 10 minutos. Ou menos. Mas, não era a cabo? Era. Perdeu, mané.

Enfim, o direito do consumidor no Brasil diz ao utente: não amola: não se aborreça com meros aborrecimentos. Selo de garantia dos Juizados Especiais.

E tem também a Lei Geral de Proteção de Dados. Que deveria proteger você. Ledo engano. Qualquer barnabé ou funcionário de empresa, para não trabalhar, diz: não posso fornecer informação, por causa da LGPD. Minha esposa perdeu a mãe. Ela mesma ajudou a internar. Mas não conseguiu receber informação e detalhes da morte dela — da própria mãe. Afinal, o hospital estava protegendo os dados da falecida… contra a filha… Ah, parem com isso. Vamos falar sério.

Estamos cercados. Tudo virou robô. Algoritmos. Festejemos os algoritmos. Os algoritmos estão chegando. Estão chegando os algoritmos. E os empregos vão desaparecendo.  Leio nas redes textos e textos (e mais textos e tik toks) festejando o novo mundo maravilhoso dos robôs e algoritmos. E ChatGBT!

É a nova era dos algoritmos. A era Aquarius-algoritmos.

Post scriptum: os órgãos oficiais por certo têm explicações que podem passar com um trator por cima destas críticas. Haverá justificativa para cada reclamação.  Afinal, podem dizer que faço queixas pequenas. De varejo. Sim, sou um varejista. E podem dizer que eles cuidam de “coisas grandes”. Pode ser. Mas, de novo: tive um problema com o UOL.

Sugiro que alguém ligue para lá e “dialogue” com robô e somente depois de várias alternativas você chegará à voz humana (ah, isso é tão normal… você não deve se aborrecer se o robô diz para você fazer sua queixa no site…essa agora é a novidade: o robô diz para você ir para o site resolver seu problema; já a Sky manda para o aplicativo!). A pessoa humana pode, no entanto, não atender você. E quando a ligação misteriosamente cai, não ligam de volta. E assim vai a vida.

O Estado deveria cuidar melhor do consumidor. Ou deixar que a gente faça desforço físico contra os maus fornecedores. Ou contra quem atende por robô. Por exemplo, para resolver um problema com a Equatorial Energia Elétrica de Porto Alegre, só indo pessoalmente. Queríamos apenas trocar a titularidade de uma conta. Um inferno.

Lembrei do filme Um Dia de Fúria, com Michael Douglas. Lembram? Aquilo era “fichinha”. No caso da Equatorial, incrível: não há como explicar para um humano o seu problema. Ninguém atende. Tem de ir ao local e tirar senha… E entrar na fila. Tudo para pagar para eles. Não era para receber.

Ah, não esqueça de dar uma passada no McDonald’s… Lá verá o que faz a robotização.

É disso que se trata quando reclamamos. Queremos ser atendidos.

E o que dizer da robotização do Judiciário? Isso é assunto para a próxima coluna. Feliz Ano Novo. Com menos robôs. Com mais gente nos postos de trabalho. E, de novo: não venham com schumpeterismo.

Conheça as redes sociais do DCM:

⚪️Facebook: https://www.facebook.com/diariodocentrodomundo

🟣Threads: https://www.threads.net/@dcm_on_line

Adicionar aos favoritos o Link permanente.