Brasileiro tende à democracia, mas parte relativiza regime em alguns cenários

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O brasileiro tem propensão a defender a democracia a princípio, mas vê o regime com insatisfação e desconfia de instituições como o Congresso Nacional e o Judiciário. Essas são tendências apontadas por pesquisas feitas em larga escala e representativas da sociedade brasileira nos últimos anos.

Em levantamento feito pelo Datafolha em dezembro, 69% dos entrevistados disseram preferir a democracia, número que representa uma queda de dez pontos percentuais quando comparado à pesquisa de 2022. O levantamento apontou que 8% achariam aceitável um regime ditatorial em algumas circunstâncias, enquanto 17% se disseram indiferentes quanto à forma de governo.

Apesar da defesa inicial do regime em respostas a perguntas mais amplas, a porcentagem daqueles que relativizam a possibilidade de um golpe é relevante em algumas circunstâncias.

O cenário preocupa principalmente ao se considerar os recentes ataques golpistas que serão lembrados em ato do governo federal sobre os dois anos do 8 de janeiro de 2023, quando bolsonaristas depredaram as sedes dos três Poderes, em Brasília.

Leonardo Avritzer, professor titular aposentado de ciência política da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e coordenador do Instituto da Democracia, considera que a apresentação de diferentes cenários aos entrevistados traz mais precisão sobre a real percepção dos brasileiros a respeito da democracia.

Quando isso acontece, dois contextos se sobressaem entre aqueles que defendem um golpe de Estado.

Segundo a pesquisa “A cara da democracia” de 2024, feita pelo instituto coordenado por Avritzer e da qual participaram pesquisadores da UFMG, Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), UnB (Universidade de Brasília) e UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), 49% dos brasileiros dizem que um golpe seria justificável no caso de “muita corrupção”. Nesse cenário, 47% dos entrevistados rejeitaram a possibilidade, 3% não souberam dizer e 1% não respondeu.

Em um contexto com muitos crimes, 45% das pessoas disseram que um golpe seria justificável, contra 50% que disseram não -3% não souberam, e 2% não responderam.

Em pergunta geral sobre o tema, porém, a maioria dos brasileiros diz entender que a democracia é preferível a qualquer outra forma de governo. Responderam desse jeito 58% dos entrevistados, seguidos daqueles que disseram “tanto faz” (17%) e dos que endossaram as ditaduras em algumas circunstâncias (13%).

O estudo foi feito com mais de 2.500 pessoas, entrevistadas presencialmente em 188 cidades de todas as regiões do país. O levantamento foi feito de 26 de junho a 3 de julho de 2024, com margem de erro estimada de 2 pontos percentuais para mais ou para menos.

A porcentagem significativa de brasileiros que estão dispostos a apoiar uma ruptura democrática em certos cenários foi identificada como alta desde o primeiro ano em que os estudiosos fizeram a pesquisa, em 2018, afirma Avritzer.

O especialista destaca outras questões trazidas pelo levantamento, como a insatisfação com o funcionamento da democracia no Brasil e a desconfiança de instituições como o Congresso Nacional, o STF (Supremo Tribunal Federal) e a Justiça Eleitoral.

As diferentes opiniões ouvidas pelas pesquisas, assim como suas nuances, estão presentes em declarações de moradores de São Paulo ouvidos pela reportagem em pontos relacionados à época da ditadura.

A advogada e administrada de empresas Maria Imaculada Belchior, 72, afirma ser “terminantemente contra um golpe”, em qualquer cenário. Para ela, a democracia é importante para a garantia das liberdades. Maria Imaculada foi abordada enquanto passava em frente à Casa do Povo, local que durante a ditadura foi espaço de resistência ao regime.

Jaqueline de Moura tem 35 anos e trabalha no ramo de móveis planejados na rua Tutóia, na Vila Mariana. A reportagem falou com ela em frente à 36ª Delegacia de Polícia, local onde funcionou o antigo DOI-Codi, órgão de repressão política da ditadura.

Para Jaqueline, um golpe pode ser preferível em algumas circunstâncias, como de alta criminalidade. Ela diz que o pai viveu na ditadura e diz que o período era “mais tranquilo”. A ideia é um dos mitos sobre a ditadura militar que ainda circulam entre parte da população. Na verdade, o período foi marcado por forte crescimento de roubos e homicídios.

Questionada, Jaqueline citou desconhecer que a delegacia, local em frente ao qual passa com frequência, foi espaço de tortura e desaparecimento forçado de perseguidos políticos.

As tendências levantadas pela pesquisa “A Cara da Democracia” são confirmadas pelo Eseb (Estudo Eleitoral Brasileiro) de 2022, outro importante levantamento sobre como os brasileiros enxergam o regime. Ele é realizado desde 2002, sempre após as eleições presidenciais.

Na edição mais recente, também os dois cenários sobre corrupção e violência foram aqueles com as mais altas taxas a favor de uma ruptura democrática. No Eseb, 52% disseram que seria justificável um golpe de Estado em caso de muita corrupção. Ainda, 41% disseram o mesmo em um contexto com “muito crime”.

O Eseb foi feito com 2.001 eleitores acima de 16 anos entre novembro e dezembro de 2022, em entrevistas face a face e domiciliares. A margem de erro máxima prevista é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos.

A pesquisa aponta uma alta taxa daqueles que não sabem responder o que é a democracia: 29% dos entrevistados.

Apesar de alto, o número representou uma melhora, explica Fabíola Brigante Del Porto, pesquisadora no Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop), núcleo de pesquisa da Unicamp responsável pelo levantamento. Em 2014, 51% das pessoas que participaram do estudo não souberam ou não deram uma definição para o regime. Em 2018, o valor superou a casa dos 40%.

Questionadas sobre o que é a democracia, as pessoas majoritariamente ligam o regime a mais de um direito (12%) e a liberdades de expressão e opinião (9%), segundo os dados de 2022 do levantamento.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.