Mujica e a grande arte de aprender a morrer. Por Kiko Nogueira

Mujica vive

José “Pepe” Mujica, o presidente-filósofo, ensina uma última — ou primeira — lição, agora sobre a dignidade ao encarar o fim da vida. Em sua despedida anunciada, demonstra a serenidade e lucidez que sempre marcaram sua trajetória.

“O câncer no esôfago está se espalhando em meu fígado. Não consigo impedir isso com nada. Por quê? Porque sou uma pessoa idosa e tenho duas doenças crônicas. Não posso passar por tratamento bioquímico ou cirurgia porque meu corpo não aguenta”, disse ao site Búsqueda.

Após 32 sessões de radioterapia, rogou aos médicos que não o fizessem “sofrer às custas da família”. “O que eu peço é que me deixem em paz. Não me peçam mais entrevistas nem nada. Meu ciclo acabou. Sinceramente, estou morrendo. E o guerreiro tem direito ao seu descanso”, afirmou.

Montaigne lembra que a morte não é um adversário a ser derrotado, mas uma condição natural e inevitável da vida. Para ele, aceitar a mortalidade é o ápice da sabedoria, libertando o ser humano dos medos que o aprisionam. “Não pode ser grave uma coisa que acontece uma só vez; será razoável recear com tanta antecedência acidente de tão curta duração?”, pergunta ele.

Mujica encarna essa filosofia. Ele não apenas aceita a realidade de sua condição, mas reivindica o direito de vivê-la sem prolongar sofrimentos desnecessários ou se submeter a tratamentos desumanos. Montaigne escreve que “filosofar é aprender a morrer,” reconhecendo a transitoriedade da vida.

O pedido de Mujica — “me deixem em paz” — pode ser traduzido assim: “missão cumprida”. Ele se recolhe, um descanso que Montaigne descreve como a libertação final do fardo da existência. Mujica, com sua despedida, não apenas nos ensina a aceitar o inevitável, mas a viver com propósito, simplicidade e respeito, não apenas por nós mesmos, mas pelos outros.

Em um mundo de Trumps, de mau gosto, mau gosto, mau gosto, de Zuckerbergs, Bolsonaros e influenciadores que fazem vídeos de fetos mortos para obter likes em redes sociais, de destruição da noção de privacidade, Mujica se vai como viveu: com dignidade, coragem e ensinando, até o último momento, o que significa ser verdadeiramente humano.

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