Em seis décadas Balneário Camboriú elegeu apenas nove vereadoras

A Câmara Municipal de Balneário comemorou 60 anos em 2024, ano em que foi eleita a 15a Legislatura com 19 vereadores, entre eles, duas mulheres: Jade Martins e Ciça Muller. 

Nestas seis décadas, apenas nove mulheres foram eleitas vereadoras em Balneário Camboriú, a cidade catarinense que tem mais mulheres do que homens, segundo revelou o último Censo do  Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizado em 2022 e divulgado em 2023. A população feminina apurada pelo IBGE era de 52,77% sobre 47,23% de masculinos, ou seja, 7.703 mulheres a mais registradas.

Na Câmara Municipal, as nove vereadoras titulares ganharam um espaço especial: a Galeria Lilás, instalada em dezembro último, para evidenciar “a importância da trajetória das mulheres na política de Balneário Camboriú” e quem sabe despertar o interesse de outras para compor aquele espaço.

São elas: Wanda de Abreu Webler (4ª Legislatura), Remi da Silva Osório (5ª, 6ª e 7ª Legislaturas), Iolanda Achutti (6ª, 8ª, 9ª e 10ª Legislaturas), Anna Christina Barichello (8ª e 10ª Legislaturas), Marisa Zanoni Fernandes (12ª Legislatura), Juliethe Nitz (13ª Legislatura), Juliana Pavan (14ª Legislatura), Jade Martins e Ciça Muller (15ª Legislatura).

In memoriam

A primeira vereadora de Balneário Camboriú, Wanda de Abreu Webler, faleceu no dia 9 deste mês, com 100 anos, na cidade gaúcha de Santa Maria, onde morava.

Iolanda Achutti, que exerceu a vereança em quatro legislaturas, faleceu em 29 de março de 2020 e Remi Osório, vereadora em três legislaturas, faleceu em 4 de maio de 2022.

A reportagem procurou as outras seis vereadoras e ex-vereadoras para perguntar: 

Por quê as mulheres de Balneário Camboriú não participam mais da política e como mudar esse cenário? 

Acompanhe:

Jade Martins

Divulgação/CVBC

“Somos a maioria da população e do eleitorado, somos a maioria atuante em organizações sociais e em entidades de diversos segmentos da sociedade civil organizada, mas infelizmente essa maioria não se reflete quando se trata de ocupação de cargos eletivos.

É preciso vencer as barreiras históricas e culturais que deixam as mulheres em segundo plano quando se trata de política partidária, ocupação de cargos e funções públicas. 

A política de fato é um ambiente hostil e que acaba afastando as mulheres. 

Para que possamos aumentar essa participação feminina é necessário fazer um trabalho de base, nas agremiações partidárias, incluindo mulheres nas discussões e inserindo-as neste ambiente onde tudo começa, para que elas se sintam encorajadas a ocupar esses espaços. 

Nós mulheres eleitas temos a responsabilidade de também abrirmos espaço para que outras mulheres se destaquem em funções que possam favorece-las em um cenário eleitoral. 

A ampliação da participação feminina na política não é apenas uma questão de justiça ou representatividade, mas sim, uma necessidade para desenvolvimento de sociedades mais justas, equitativas e resilientes.

A violência política de gênero também é outro ponto que merece nossa atenção, e deve ser combatida, haja vista que afasta e desencoraja mulheres de participarem ativamente dos processos eleitorais. 

A legislação eleitoral vem se aprimorando e fortalecendo as candidaturas femininas, punindo as agremiações partidárias que se utilizam de mulheres simplesmente para cumprimento de cota de gênero, com decisões que implicam a responsabilidade de cassação de todos candidatos (homens e mulheres) que compõe a chapa eleitoral, além de garantir o financiamento eleitoral para candidaturas femininas. 

Leis como essas fomentam que o espaço na composição político partidária deve se dar com a participação feminina desde o princípio, com garantia de espaços de destaque para que se tenha um resultado positivo nas urnas.

Políticas públicas e ações também devem ser aprimoradas para que mulheres, em especial mães solos e tantas outras que não possuem rede de apoio, possam fazer parte dessa ampliação da participação feminina na política. 

O caminho é longo, mas já avançamos bastante, e como a característica feminina é a sensibilidade, visão ampliada e a resiliência, seguiremos nossa caminhada, fortalecendo as lideranças femininas e encorajando mais homens e mulheres a também abraçarem e auxiliarem com ações afirmativas que possibilitem uma maior ampliação da participação de mulheres na política”.


Ciça Mueller

Divulgação/CVBC

“A participação feminina na política ainda enfrenta grandes desafios, moldados por séculos de exclusão histórica e cultural. Há pouco mais de 90 anos, as mulheres sequer tinham o direito de votar, e por gerações fomos ensinadas a priorizar o cuidado com os filhos, a família e os idosos, muitas vezes abdicando de nossas aspirações para estar ‘atrás de um grande homem’. 

Dentro dessa estrutura patriarcal, a política se consolidou como um espaço predominantemente masculino, onde mulheres, quando presentes, ocupavam funções de apoio, servindo aos interesses de homens nos partidos. Essa exclusão sistemática afastou as mulheres do debate político e criou barreiras que persistem até hoje.

No entanto, o protagonismo feminino vem crescendo, impulsionado por mudanças sociais importantes, como o aumento de mães solo e mulheres chefes de família. 

Mesmo com avanços em diversas áreas – como carreiras profissionais, lideranças empresariais e movimentos comunitários –, a política ainda é vista como um ambiente hostil, marcado por polarização e animosidade. Para muitas mulheres, esse cenário contrasta com um estilo de liderança que valoriza a empatia, a colaboração e a construção coletiva.

Em Balneário Camboriú, uma cidade marcada por suas contradições entre riqueza e desigualdade, a presença feminina na política é mais do que necessária – é urgente. Nosso município precisa de lideranças que reflitam a diversidade de sua população e enfrentem os desafios com sensibilidade e determinação. Trazer o debate político para as escolas, envolvendo meninos e meninas desde cedo, é um passo essencial para formar uma geração que enxergue a política como espaço plural e democrático.

Mais do que ocupar cadeiras, as mulheres que atuam na política – especialmente aqui em BC – são exemplos vivos de que é possível transformar estruturas e abrir caminhos para outras. A construção de um futuro mais inclusivo depende de todas nós. Afinal, quando mulheres avançam, a sociedade inteira avança”.


Juliana Pavan

Divulgação/CVBC

“Fazer parte desta história, sendo eleita vereadora em 2020, e prefeita em 2024, é algo que me emociona e aumenta ainda mais minha responsabilidade. O voto popular consagrou nove mulheres até hoje para mandatos titulares no Legislativo Municipal, e é meu dever seguir trabalhando para incentivar outras mulheres a compartilharem sua liderança e valores na vida pública da nossa cidade”.


Juliethe Nitz

Divulgação/CVBC

“Historicamente, as mulheres desempenham papéis fundamentais na sociedade, especialmente no cuidado com a família e no fortalecimento dos valores que sustentam uma comunidade. Eu acredito que em cidades como a nossa, Balneário Camboriú, essa realidade é ainda mais evidente. Muitas mulheres se dedicam a áreas que impactam diretamente o bem-estar coletivo, como saúde, educação e assistência social, através da sua profissão ou mesmo em clubes de serviços ou voluntariando-se em entidades, enquanto enxergam a política como um ambiente marcado por confrontos e divisões, distantes dos valores que norteiam suas vidas.

O cenário político muitas vezes se apresenta como um espaço hostil e competitivo, onde as disputas ideológicas e os interesses partidários colocam em segundo plano questões essenciais, como a preservação da família e dos princípios morais. Para muitas mulheres, esse ambiente não reflete suas prioridades ou convicções cristãs, o que as leva a concentrar suas energias em áreas que consideram mais alinhadas com seu propósito de promover o cuidado, a solidariedade e a harmonia.

Além disso, a política, tal como praticada atualmente, cheia de ataques, não raro desconsidera a sensibilidade e a capacidade transformadora que as mulheres podem trazer para as discussões públicas. Esse afastamento não significa que as mulheres não tenham interesse ou capacidade de liderança, pelo contrário, reflete uma escolha consciente de preservar valores e atuar onde acreditam que podem fazer a maior diferença sem abrir mão das suas convicções,  preferindo assim, em sua maioria exercer sua liderança fora do âmbito político partidário.

Como mudar esse cenário? Primeiramente, acredito que não devemos tratar essa questão apenas sob a perspectiva de gênero. Quem alcança destaque na sociedade será eleito, independentemente de ser homem ou mulher, e esse destaque pode ser por razões positivas ou não.

O verdadeiro desafio está em trazer para o âmbito político-partidário mulheres que já desempenham trabalhos relevantes em suas áreas. Muitas delas são empresárias ou possuem carreiras consolidadas e, por isso, relutam em deixar o ambiente onde já estão inseridas.

Além disso, as mulheres tendem a agir guiadas por um propósito. Se a política não for um chamado genuíno em suas vidas, não adianta insistir. Elas continuarão realizando tudo aquilo que poderiam fazer como políticas, mas de forma não institucional.

O caminho, portanto, é respeitar esse posicionamento e buscar inspiração no trabalho que essas mulheres já realizam, valorizando sua contribuição e inserindo elas de alguma forma no ambiente político para assim elas sentirem que podem fazer mais pela sociedade e se colocarem à disposição dos partidos para serem candidatas”.


Marisa Zanoni Fernandes

Divulgação/CVBC

“Para compreender porque os espaços políticos têm uma sub representação feminina na nossa cidade, é necessário observar a formação capitalista, patriarcal, racista e sexista da sociedade. 

Esse modelo social predominante relegou e ainda relega às mulheres a invisibilidade nos espaços públicos. Historicamente fomos associadas ao lar, ou seja, ao espaço privado. Essa condição, entre outras tantas, limita participação na vida pública e política, por ser a política, o lugar das decisões e do poder, ao longo da história usufruído pelos homens. 

Neste recorte temporal de 60 anos, considerar que apenas nove mulheres foram eleitas, em uma cidade que tem proporcionalmente mais eleitoras que outras cidades catarinenses, se faz urgente a necessidade de aplicação de medidas afirmativas, bem como de uma reforma política e eleitoral que assegure a presença das mulheres e de toda a diversidade da população. 

Se olharmos para o perfil das nove eleitas – são majoritariamente mulheres brancas, de classe média, de grupos políticos mais conservadores e apenas uma mulher eleita de esquerda. 

São características que sinalizam o tamanho da tarefa que temos enquanto sociedade e organizações partidárias. Não basta abrir as portas para as mulheres apenas em períodos eleitorais. 

É preciso (re)educar a população, desnaturalizar os valores e concepções arraigados no patriarcalismo que reforçam papéis pré definidos e a desigualdade de gênero na nossa sociedade. Acredito que esse cenário precisa ser enfrentado junto aos movimentos feministas, às organizações nacionais e internacionais que vêm traçando diretrizes e estratégias por meio de convenções, seminários e conferências.

É importante destacar que temos pela primeira vez na história de Balneário, duas vereadoras eleitas para a mesma legislatura e a primeira prefeita. É um sinal de avanço, sem dúvida. Essa conquista pode motivar as mulheres a tentar, nas próximas legislaturas, ampliar a participação e a ocupar posições de poder. Mas isso dependerá do caminho que trilharmos. De minha parte, estarei lutando ao lado  das pessoas que buscam assegurar equidade de gênero. Só assim poderemos falar em democracia e justiça social – e, quem sabe conquistaremos uma ampla e diversificada composição da “galeria lilás”.”


Anna Christina Barichello

Divulgação/CVBC

“As mulheres de Balneário Camboriú ainda participam pouco da política por causa de vários fatores, como o cultural e a falta de incentivo para se envolverem na área. Muitas vezes, o papel da mulher é visto como o de cuidar da família, o que acaba deixando de lado o interesse por cargos políticos. 

Além disso, a política é vista como um espaço dominado por homens, o que pode afastar as mulheres de se arriscarem na carreira política, já que falta apoio e recursos para campanhas.

Para mudar isso, é importante investir em programas de capacitação e apoio para as mulheres que querem entrar na política. Criar ambientes mais inclusivos nos partidos, como a aplicação real das cotas de gênero, não só para preencher  a chapa, também ajuda a garantir mais vagas para elas. 

Além disso, é necessário combater o machismo que ainda existe na sociedade, para que as mulheres se sintam mais confiantes e respeitadas. E, claro, incentivar a união entre elas, para que possam se apoiar e lutar juntas por mais representatividade e voz nas decisões políticas”.


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