Dominância fiscal? Sensibilidade à Selic assombra já pesada dívida pública do Brasil

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BRASÍLIA (Reuters) – Investidores já preocupados com o crescente endividamento público do Brasil sob o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva agora precisam lidar com outro risco: um perfil da dívida pública cada vez mais sensível às altas taxas de juros.

O país financia uma parte incomumente alta de sua dívida por meio de títulos flutuantes, as chamadas LFTs, cuja remuneração é atrelada à taxa básica de juros.

Esses papéis são especialmente demandados por investidores em tempos de estresse nos mercados. E o Tesouro foi obrigado a recorrer fortemente a eles no ano passado para se financiar, o que empurrou a dívida pública para sua pior composição em 20 anos.

A sensibilidade da dívida brasileira à Selic deve acelerar em um momento em que o Banco Central adota uma política monetária agressiva para combater a inflação, ofuscando as melhorias no resultado primário.

Entre as economias de maior porte, nenhuma carrega tanta dívida em títulos de taxa flutuante quanto o Brasil. A emissão desses instrumentos foi a maior de todos os tempos no ano passado, e sua participação no total da dívida também cresceu em um ritmo recorde. Choques de juros agora ameaçam encarecer o financiamento de quase metade da já elevada dívida do país.

“Neste último ano, o juro subiu e com a LFT você paga esse custo na veia,” disse o ex-secretário do Tesouro Paulo Valle, acrescentando que isso implica uma composição de dívida mais arriscada e, portanto, deteriorada aos olhos das agências de classificação de risco.

Essa dinâmica também potencializa questionamentos sobre a maior proximidade de cenários extremos de dominância fiscal, em que o aumento de juros necessário para controlar a inflação torna a trajetória da dívida pública mecanicamente ainda mais desafiadora, disse Pedro Schneider, economista do Itaú.

Nessas situações, altas nos juros pelo BC aumentam os custos de financiamento da dívida, pioram as condições fiscais e corroem as expectativas do mercado, acabando por alimentar a inflação em vez de contê-la.

Com uma economia aquecida e incertezas externas e locais mantendo o dólar alto, o BC já sinalizou mais dois aumentos de 1 ponto percentual na taxa Selic para combater a inflação, o que, se confirmado, elevará a taxa para 14,25% em março.

No ano passado, a demanda por LFTs foi impulsionada pela volatilidade do mercado, em meio a mudanças nas expectativas para as taxas de juros dos Estados Unidos e crescentes preocupações com a trajetória ascendente da dívida brasileira.

O sentimento negativo piorou ainda mais depois que Lula apresentou, no fim de novembro, um pacote de controle de gastos que decepcionou os mercados, após ter iniciado seu mandato em 2023 promovendo alta expressiva em benefícios sociais, aumento do salário mínimo e da remuneração de servidores públicos.

A participação das LFTs no total da dívida registrou um aumento recorde de 6,5 pontos percentuais no acumulado do ano até novembro, representando 46,1% da dívida total do Brasil. Dados de dezembro devem mostrar uma expansão dessa fatia, reconheceu o Tesouro à Reuters, colocando a participação desses instrumentos no total da dívida no maior nível desde 2004.

Embora a composição do endividamento público tenha voltado a espelhar a verificada duas décadas atrás, a dívida bruta é hoje quase 20 pontos percentuais maior, atingindo 77,8% do PIB em novembro, o que significa que o serviço da dívida incide sobre um estoque maior.

Como resultado, apesar do encolhimento significativo do déficit primário em 2024 e das indicações do governo de que ele ficará dentro da banda de tolerância de sua meta fiscal, o déficit nominal do Brasil deve se aproximar de 8% do PIB, o mais alto entre grandes economias emergentes e o mais impactado pela conta de juros.

Esse padrão de crescimento da dívida deve continuar à frente mesmo que o governo alcance sua meta de déficit primário zero neste ano dado o peso dos encargos da dívida. O Itaú projeta que o déficit nominal aumentará para 9,9% do PIB até 2026.

O Tesouro afirmou que a gestão da dívida em 2024 considerou o cenário econômico observado, as condições de demanda e a dinâmica do mercado secundário. O órgão espera substituir gradualmente as LFTs por títulos prefixados e indexados à inflação.

Destacando que as LFTs oferecem um prazo médio mais longo que o do estoque da dívida, o Tesouro também disse que observou “avanços para suavização da estrutura de vencimentos e manutenção da reserva de liquidez em patamares elevados, mitigando o risco de refinanciamento e assegurando flexibilidade para ajustar sua atuação em momentos de volatilidade.”

Ex-autoridades do Tesouro observaram, sob anonimato, que embora as LFTs sejam vistas como uma opção ruim, as alternativas a elas parecem ainda menos atrativas.

Diante da profunda desconfiança com o quadro fiscal, os títulos prefixados de um ano estão sendo negociados com rendimentos de 15%, em comparação com menos de 10% há um ano. Já os títulos indexados à inflação (NTN-Bs) com vencimento em 2029 oferecem uma rentabilidade real de 7,85%.

Ambas as opções fixariam os custos da dívida em níveis considerados excessivamente altos. A despeito de também serem caras, as LFTs flutuantes podem se tornar mais baratas caso a política monetária seja flexibilizada no futuro.

Um estudo de 2016 realizado por técnicos do Tesouro também mostra que, ao contrário do que muitos críticos argumentam, um aumento no estoque de LFTs não reduz a eficácia da política monetária.

Seja como for, o cenário para este ano não parece auspicioso. A estratégia do governo para a dívida em 2025, que será divulgada no final deste mês, deverá continuar se apoiando fortemente nos títulos flutuantes em meio à persistência dos questionamentos fiscais e preocupações globais com futuras políticas do novo presidente dos EUA, Donald Trump, ainda que a perspectiva para os juros básicos seja de aperto.

Com as expectativas de inflação se afastando da meta oficial de 3%, economistas estão cada vez mais projetando que a taxa Selic ultrapassará 15% este ano, com apostas embutidas na curva de juros indicando taxa Selic acima de 16% em novembro.

Para Carlos Kawall, sócio da Oriz Asset Management e ex-secretário do Tesouro, o arcabouço fiscal do governo tem se mostrado claramente insuficiente para estabilizar o crescimento da dívida, com a resistência política a um ajuste fiscal estrutural contribuindo para a maior representatividade das LFTs e uma expansão acelerada da dívida.

“A gestão da dívida é passageira da estratégia de política fiscal equivocada do governo”, disse Kawall. “Não dá pra gente atuar nas consequências, a gente tem que enfrentar as causas.”

 

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