Bolha de SAFs, bets e direitos de transmissão em times do Brasileirão pode estourar?

As cifras milionárias são, há algum tempo, parte do noticiário do futebol brasileiro. Os fãs já estão acostumados a ler sobre salários e transferências com valores de pelo menos seis dígitos. Os bilhões, porém, vêm se tornando mais frequentes, comumente usados para mostrar o tamanho das dívidas dos clubes brasileiros. 

Mesmo com passivos preocupantes, os times seguem aumentando os gastos com contratações. Em 2024, os times daqui gastaram um montante recorde de US$ 353 milhões com transferências de jogadores, um aumento de 141% na comparação com o ano anterior e de 227% ante 2022, segundo dados divulgados pela Fifa. 

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Entre as novidades do Brasileirão 2025, que começa neste sábado (29), estão os dois jogadores mais caros da história do futebol brasileiro: Vitor Roque, que custou cerca de R$ 154 milhões ao Palmeiras, e o volante Wendel, contratado pelo Botafogo por R$ 123 milhões. A estatística repete o feito do ano passado, quando Thiago Almada (Botafogo) e Carlos Alcaraz (Flamengo) estrearam como os jogadores mais caros do Brasil até então. 

Com a inflação do mercado de transferências e a pressão pela contratação de bons jogadores, o futebol brasileiro está inflando uma bolha que deve estourar e trazer consequências graves ao mercado nacional, dizem analistas ouvidos pelo InfoMoney

A bolha das contratações

No mercado financeiro, uma bolha é formada quando um ativo se valoriza sem fundamento e seu preço é muito maior do que deveria ser. O conceito se aplica ao mercado de transferências, que tem jogadores cada vez mais caros e clubes investindo cada vez mais nas compras. “Em dois anos, a bolha estoura”, diz Amir Somoggi, sócio da Sports Value.

Os clubes podem adiar as consequências vendendo ativos, mas deverão enfrentar uma crise financeira se não pisarem no freio nas contratações, segundo o analista. 

Nos últimos anos, os times brasileiros tiveram seus faturamentos impulsionados pelos patrocínios de casas de apostas, injeção de dinheiro nas SAFs (Sociedades Anônimas do Futebol) e venda de direitos de transmissão. Mas, para Cesar Grafietti, especialista em finanças do esporte e sócio da consultoria Convocados, “a quantidade imensa de contratações está lastreada em dois aspectos que não são sustentáveis”. 

O economista defende que não há clareza se as bets seguirão com os aportes milionários no futebol nos próximos anos ou segurança sobre até onde vão os investimentos dos donos das SAFs: “estamos aumentando os gastos com base em receitas que não sabemos se teremos na mesma proporção nos próximos anos”, diz. Com as contratações milionárias, as folhas salariais também aumentam, enquanto os times não parecem preocupados em quitar suas dívidas. 

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Outro fator que ajuda a inflar a bolha é o que Somoggi classifica como efeito manada: “times acham que se Flamengo, Palmeiras e Botafogo continuam investindo, também precisam investir”. Ou seja, os mais endinheirados puxam a fila e fazem os clubes que não podem gastar mais buscarem formas de contratar estrelas para não ficar para trás no desempenho esportivo. 

O Fluminense tenta remar contra a maré e enxugar gastos, segundo o técnico Mano Menezes: “precisamos trabalhar com números mais abaixo e encontrar soluções que não são as mesmas que eles (clubes endinheirados) podem encontrar”, disse o treinador, em entrevista à TNT Sports. Para ele, “estamos vivendo uma bolha que certamente será furada lá na frente; os clubes não conseguiriam honrar compromissos em valores tão grandes, não temos, em média, receita para isto”. 

A falta de regras de fair play financeiro também contribui para um crescimento insustentável das cifras de transferência, segundo Somoggi: “Cruzeiro e Botafogo gastam sem ter receita; não tem regulação, o time pode fechar com R$ 200 milhões de prejuízo se quiser e tiver um dono para injetar capital”. 

O especialista cita como problemática a lógica de investir esperando o retorno com premiações nas maiores competições. “Seria óbvio gastar mais e ser campeão de tudo, mas não dá para ficar tudo na caixinha do desempenho”. 

Quem está na bolha?

Os times de maior expressão no cenário nacional são os mais lembrados ao falar dos gastos exorbitantes, mas não são os únicos com participação no problema. “Há uma inflação geral no futebol brasileiro, temos times da Série C pagando salários incompatíveis com as receitas que têm, o que tem relação com o aumento das SAF nessas divisões para tentarem ser competitivos”, explica Grafietti. 

A migração para o modelo de SAF também não torna um clube imune ao problema, já que o caso do Botafogo é visto com preocupação, por exemplo. O time pertence a John Textor, que também comanda o francês Lyon. O clube europeu atravessa sérias dificuldades financeiras que podem respingar no irmão carioca. O Vasco, que entrou em recuperação judicial após problemas com o grupo que comprou seu controle, também mostra que as SAFs podem estar envolvidas na bolha. 

Para Grafietti, Cuiabá, Fortaleza, Atlético Goianiense, Grêmio e Athletico Paranaense são “mais controlados”, enquanto “o resto está apenas tentando acompanhar o movimento das SAFs”. Palmeiras e Flamengo seguem como os melhores exemplos de gestão atualmente, com um ponto de atenção para o clube carioca pelos gastos com a construção de seu estádio, segundo o economista. 

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O Bahia também é visto com mais otimismo por ter o Grupo City por trás, organização com histórico considerado positivo na gestão de clubes como Manchester City e Girona. 

Consequências 

A bolha pode estourar “quando as receitas extraordinárias deixarem de entrar”, segundo Amir Somoggi, da Sports Value. Para ele,“o rebaixamento é o estouro da bolha, com clubes arrebentados financeiramente, sem conseguir se manter”. 

Os times com altos investimentos que não forem campeões também poderão, em breve, sentir um efeito rebote no caixa, com donos diminuindo os aportes nas SAFs ou associações perdendo poder de negociação com patrocinadores. “Os contratos longos com salários altos vão virar dívida”, projeta Grafietti. 

Quem adotou o modelo de empresa corre mais risco no curto prazo, diz o sócio da Convocados. “Associações não entram em falência, têm benefícios nesse sentido, conseguem parcelar em 15 anos impostos e encargos trabalhistas atrasados, mas as SAF podem quebrar, elas têm um risco maior se a gestão não for eficiente e não podem seguir o modelo das associações de gastar mais do que deveriam”. 

Por outro lado, ele pondera que os times que se organizam em associações não estão livres das consequências. “Mais do que sanções, o próprio sistema vai acabar punindo os clubes mais endividados”, prevê o especialista. O argumento é que ficará cada vez mais difícil atrair talentos sem as contas em dia, o que impactará fortemente o desempenho esportivo. 

As grandes contratações que chegam para disputar o Brasileirão foram atraídas por times com donos que ainda estão investindo – como Botafogo (John Textor) e Cruzeiro (Pedrinho) – ou com balanços mais equilibrados – como Palmeiras e Flamengo, argumenta Grafietti. 

Na contramão, ele cita Corinthians e São Paulo que – com exceção de Oscar, contratado com a ajuda de uma casa de apostas – não fizeram grandes reformulações de elenco em 2025. “Não é porque não querem (contratar), é porque não conseguem mais; começam a ter dificuldades de fazer a gestão no mesmo modelo de antes, o sistema gera isto naturalmente”, conclui. 

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