Pedidos de cidadania italiana agendados em consulados travam; entenda

Depois que o governo italiano pisou no freio da concessão de cidadania italiana a todos os descendentes de italianos, limitando apenas a quem é filho ou neto, todos os candidatos sentiram o forte solavanco. Dez dias depois do anúncio do Decreto nº 36, todos os pedidos administrativos feitos junto aos consulados italianos foram suspensos, inclusive aquelas pessoas que já aguardavam na fila para o reconhecimento da cidadania italiana e tinham até uma data agendada para apresentar os documentos.

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De acordo com especialistas ouvidos pelo InfoMoney, os cancelamentos ocorreram em função de alterações básicas implementadas pela medida, não apenas geracional. Isso porque o decreto estabelece que só filhos e netos de italianos podem solicitar a cidadania, e os filhos e netos dessa pessoa não terão mais o direito de transmitir aos seus filhos e netos. “Eles cancelaram porque mais de 90% das pessoas que estão na fila para apresentar a documentação não se enquadram mais nas novas regras do novo decreto”, explica Camila Malucelli, CEO da consultoria Ferrara Cidadania Italiana.

Segundo ela, até que o decreto seja convertido em lei, em 60 dias, os consulados não têm nenhum procedimento para essa situação, a não ser para aqueles que se enquadram nas novas regras. “Ou seja, 0% das pessoas da fila”, disse a especialista.

Já quem entrou com processo judicial não terá o procedimento suspenso, segundo o advogado especializado em cidadania europeia e CEO do escritório Gioppo & Conti, Fábio Gioppo. “Os processos judiciais protocolados até 27 de março de 2025 seguem protegidos pelas regras anteriores”, explica.

A partir de agora a via judicial também será a única forma de levantar, perante um juiz, a inconstitucionalidade do novo decreto e defender o direito pleno à cidadania baseado na legislação vigente na data de nascimento dos requerentes, de acordo com o CEO da consultoria de cidadania Master, Welligton Girotto.

A expectativa é que o decreto seja revertido no Parlamento italiano. “A discussão para mais definição irá até o final de maio. Neste período, o decreto pode ser alterado, aprovado ou cair. Quem já teve o processo protocolado até 27 de março não deve ser afetado, mas qualquer problema é importante procurar uma assessoria especializada para acionar a Justiça”, disse o CEO da consultoria Cidadania4U, Rafael Gianesini.

O que mudou

Desde o dia 28 de março, o governo italiano alterou de forma drástica as regras para o reconhecimento da cidadania por sangue, o chamado direito ius sanguinis. Por meio de um decreto, limitou o direito apenas aos filhos e netos de italianos nascidos no exterior, impactando muitos pedidos, mesmo os protocolados antes da nova norma.

Com isso, a tradicional via administrativa, feita por meio dos consulados italianos no Brasil ou diretamente nos comunes (prefeituras) na Itália, ficou inviabilizada para a maior parte dos descendentes – sobretudo os que estão além da segunda geração.

A consequência imediata foi o colapso definitivo de um sistema que vinha enfrentando severas críticas por excesso de demanda, longas filas e plataformas de agendamento ineficientes. Agora, milhares de brasileiros que aguardavam uma oportunidade para iniciar o processo nos consulados viram a possibilidade desaparecer de forma repentina.

Consulados sobrecarregados

Nos últimos anos, o número de pedidos administrativos de cidadania italiana cresceu exponencialmente no Brasil. Segundo dados da Embaixada da Itália, há mais de 300 mil brasileiros registrados como descendentes de italianos nos consulados, muitos dos quais aguardavam vaga no sistema de agendamento — que em algumas jurisdições já ultrapassava dez anos de espera.

“Com o novo decreto, esses pedidos foram, na prática, descartados, deixando milhares de pessoas desassistidas e sem acesso a uma via legal por meio dos consulados. Além disso, mesmo quem estava com a documentação pronta, mas sem protocolo formalizado, agora precisa buscar alternativas urgentes”, disse Girotto.

Processo judicial é única saída

Diante do bloqueio administrativo, a via judicial passou a ser o único caminho viável para garantir o reconhecimento da cidadania italiana, segundo Malucelli. “Os tribunais já estavam lotados, porque as pessoas ficavam até 10 anos numa fila e acabavam tendo de entrar com a ação no judiciário. Mas agora única alternativa será brigar na Justiça pela inconstitucionalidade do decreto”, afirma ela.

Segundo especialistas em Direito Internacional, a ação judicial é a única forma de levantar a discussão sobre a constitucionalidade do decreto — questionando se ele fere princípios do direito adquirido e os tratados internacionais firmados pela Itália.

Impacto financeiro e social

A mudança não afeta apenas o sonho da dupla cidadania. Para muitos, a cidadania italiana representa acesso facilitado ao mercado de trabalho europeu, oportunidades de estudo no exterior, e até decisões de investimento e mobilidade internacional, segundo os especialistas.

Os custos de um processo judicial são significativamente mais altos do que o da via administrativa, o que pode dificultar ainda mais o acesso à cidadania para famílias de menor renda.

Brasileiros no alvo

O decreto, defendido pelo ministro das Relações Exteriores e Cooperação Internacional da Itália Antônio Tajani, afetou diretamente milhares de brasileiros que buscam o passaporte italiano, seja por ancestralidade ou pela praticidade de um documento europeu. Só para se ter uma ideia, os brasileiros figuram entre as dez nacionalidades do mundo que mais obtiveram cidadania nas nações que integram a região. De todas as cidadanias solicitadas, 70% foram obtidas na Itália e em Portugal, conforme levantamento do instituto de estatísticas da UE, o Eurostat.

O Brasil hoje abriga uma das maiores comunidades italianas do mundo. Dos cerca de 6,5  milhões de cidadãos italianos residentes no exterior, mais de 700 mil moram no Brasil, o que corresponde a cerca de 11% do total, conforme dados da Embaixada da Itália no Brasil. A estimativa é de que que existam 30 milhões de descendentes no país.

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