A impressão, com isso, é de que a culpa pelo país não ir para a frente é da massa pobre, que ousa exigir salário justo, direitos e uma jornada mais digna que a 6 x 1.
Decisões do STF em casos de pejotização ilegal têm transferido os processos da Justiça do Trabalho para a Justiça comum, afirmando que se tratam de relação civil entre duas empresas e não entre patrão e empregado sem analisar a existência de fraudes.
A terceirização da atividade-fim é permitida desde antes da Reforma Trabalhista. Há casos, porém, em que são cumpridos todos os elementos que configuram vínculo empregatício, mas o empregador força uma contratação por PJ para fugir de encargos. Considerando que o vínculo empregatício não foi banido da ordem jurídica, a Justiça precisa analisar caso a caso. A generalização dizendo que toda e qualquer terceirização é lícita atende apenas aos interesses de parte dos empresários.
Por curiosidade: empregadores que se utilizam de trabalho escravo adoram apelar à justificativa da terceirização, apontando que as vítimas são de responsabilidade da empresa de fundo de quintal do terceirizado, o “gato”, o contratador de mão de obra. Em um caso recente, o próprio STF manteve a responsabilidade de uma rede varejista por escravidão.
Afirmar que um relação entre duas empresas é sempre legal, sem se atentar para a possibilidade de fraude, é rasgar a Lei Áurea.
Ao mesmo tempo, compreende-se a preocupação com a alta nos custos da Previdência Social, que pode levar a uma nova reforma poucos anos após a última para o sistema não quebrar. Mas jogar isso apenas nas costas do aumento do salário mínimo recebido pelos trabalhadores, da ativa, aposentados e pensionistas, é uma tremenda sacanagem.

Taxar super-ricos com justiça tributária e limitar os salários de categorias de servidores públicos que ganham muito mais do que o teto constitucional não vai resolver os déficits, claro. Enquanto isso não for feito, contudo, é no mínimo pornográfico propor mais tungadas no andar de baixo.
A valorização do salário mínimo acima da inflação foi um dos mais importantes instrumentos de redução da desigualdade no Brasil, um dos países que mais concentra renda em todo o mundo. Bolsonaro interrompeu um quarto de século de melhoria, que começou de forma informal pelo PSDB, foi transformada em lei pelo PT e mantida pelo MDB. Sob Lula 3, o mínimo voltou a ter ganho real.
Mesmo com o aumento, estamos ainda longe de cumprir o que diz o artigo 7º, inciso IV, da Constituição Federal. Ele determina que o salário mínimo deve ser capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, reajustado periodicamente, de modo a preservar o poder aquisitivo, vedada sua vinculação para qualquer fim”.
Para se ter uma ideia, se isso fosse respeitado, o mínimo teria que ser de R$ 7.398,94, segundo cálculo do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) para março deste ano.
A valorização do mínimo é uma política poderosa, pois ativa a economia e garante qualidade de vida. Mas também ajuda a combater a desigualdade, um câncer social.
A desigualdade dificulta que as pessoas vejam a si mesmas e as outras pessoas como iguais e merecedoras da mesma consideração. Leva à percepção de que o poder público existe para servir aos mais abonados e controlar os mais pobres. Ou seja, para usar a polícia e a política a fim de proteger os privilégios do primeiro grupo, usando violência contra o segundo, se necessário for. Com o tempo, a desigualdade leva à descrença nas instituições.
O que ajuda a explicar o momento em que vivemos hoje, com parte da sociedade emparedando os trabalhadores dizendo que isso não é nada mais que bom senso.
Originalmente publicado no UOL
Conheça as redes sociais do DCM:
Facebook: https://www.facebook.com/diariodocentrodomundo