Tragédias climáticas como no Rio Grande do Sul expõem falhas de proteção no Brasil

Moradores tentam limpar a sujeira e retirar a lama em região afetada pelas enchentes no Rio Grande do Sul (Foto: Gustavo Mansur/Palácio Piratini)

O avanço das mudanças climáticas e o aumento da frequência de eventos extremos têm desafiado a indústria global de seguros e resseguros. Na América Latina, a combinação entre maior exposição a riscos e baixa penetração de seguros amplia o chamado “gap [lacuna] de proteção”.

A avaliação é de Kaspar Mueller, CEO para a América Latina da Swiss Re, uma das maiores resseguradoras do mundo, em entrevista exclusiva ao InfoMoney.

Segundo Mueller, os riscos climáticos são “divididos” de duas formas no mercado segurador – especialmente nos ramos de seguros de propriedade e responsabilidade civil:

  • os riscos primários, que contemplam terremotos, furacões e tufões; e
  • os riscos secundários, como enchentes e incêndios florestais.

De acordo com o executivo, os eventos do segundo tipo estão cada vez mais recorrentes no Brasil. “E aí é óbvio: temos mais secas, então temos mais incêndios florestais. E temos mais enchentes no Brasil – mas, antes disso, em Petrópolis, o grande evento climático foi um deslizamento de terra. Esses são apenas dois exemplos – e tudo isso acontece com uma frequência mais alta”, afirmou.

Ele relembra os casos das chuvas extremas registradas em Petrópolis (RJ), em 2022, e no Rio Grande do Sul, no ano passado, como exemplos emblemáticos de tragédias associadas a falhas na gestão de riscos climáticos.

Leia também: Com eventos mais frequentes, mudanças climáticas custam caro e pedem ações urgentes

Eventos extremos crescem e ampliam incertezas

Mueller destaca que o impacto financeiro das catástrofes naturais está em ascensão, com os sinistros [ocorrência do risco previsto no contrato de seguro] globais superando consistentemente a marca de US$ 100 bilhões por ano nos últimos 5 anos, segundo estudos realizados pela própria Swiss Re.

“No ano passado, foram US$ 134 bilhões. Em 2025, só com os incêndios na Califórnia em janeiro, começamos o ano estimando US$ 40 bilhões em perdas. Ou seja, já é uma grande fatia antes mesmo de a temporada de furacões começar ou de acontecerem grandes terremotos.”

— Kaspar Mueller, CEO para a América Latina da Swiss Re

Para ele, a mudança climática altera não apenas a severidade, mas também a previsibilidade dos riscos – o que afeta diretamente a precificação de seguros e a estrutura de capital das resseguradoras.

“No nosso negócio, embora estejamos aqui para proteger as sociedades, só podemos fazer isso se também nos protegermos. Se ficarmos sem dinheiro para pagar sinistros, não conseguiremos proteger as sociedades. Por isso, somos muito cautelosos, por exemplo, com contratos plurianuais relacionados ao clima. Preferimos contratos anuais”, diz Mueller.

Ele defende que contratos mais curtos permitem às seguradoras incorporarem os dados mais recentes sobre eventos climáticos como enchentes e incêndios (mais difíceis de prever) em suas análises de risco.

Saiba mais: Como o setor de seguros pode reduzir os prejuízos das mudanças climáticas?

Apesar da crescente exposição, a penetração de seguros segue baixa em países como o Brasil – onde apenas 30% da frota automotiva e somente 17% das residências contam com seguro.

“O mercado sempre diz que o Brasil não é um país de catástrofes, mas isso não é verdade. Inundações acontecem todos os anos e infelizmente matam pessoas. Mesmo assim, a sociedade como um todo não parece estar tão disposta a pagar por proteção contra esse risco.”

— Kaspar Mueller, CEO para a América Latina da Swiss Re

Falta de políticas públicas amplia o risco

Para Mueller, essa resistência tem raízes culturais e econômicas, mas também se relaciona com a ausência de exigência por parte de instituições como os bancos.

A falta de seguro frente a eventos catastróficos escancara o protection gap, termo usado no setor para descrever a diferença entre perdas econômicas e perdas seguradas. Segundo o CEO, o Rio Grande do Sul teve um gap enorme, com as perdas econômicas muito maiores que as perdas seguradas, mostrando o espaço que ainda há para o seguro avançar.

Kaspar Mueller, CEO para América Latina da Swiss Re (Foto: Divulgação/Swiss Re)

Traduzindo em números, a tragédia no estado gaúcho causada pelas chuvas no outono de 2024 geraram perdas estimadas em R$ 89 bilhões, mas apenas R$ 6 bilhões estavam cobertos por seguros, segundo dados do setor.

Leia mais: Pedidos de indenização somam R$ 6 bi no RS, o maior sinistro climático do Brasil

Isso representa uma lacuna de proteção de 93%, evidenciando o descompasso entre as perdas financeiras e o que é efetivamente indenizado pelas apólices (contrato de seguro) contratadas, aponta estudo recente feito pela Susep (Superintendência de Seguros Privados), órgão federal que regula e fiscaliza o mercado de seguros no país.

O executivo também critica a ausência de políticas públicas estruturadas. Embora existam iniciativas bem-sucedidas em países como México e as ilhas do Caribe, que protegem infraestrutura crítica com apoio de resseguradoras, no Brasil o avanço é tímido.

Mais resiliência climática

Em sua análise, faltam propostas concretas e disposição do governo de investir hoje em algo que só trará retorno no futuro. Segundo Mueller, o ideal seria a criação de parcerias público-privadas para proteger ativos essenciais da sociedade. “Acreditamos fortemente que há certos riscos que os governos devem considerar com uma visão de longo prazo”, diz.

Sobre a correlação entre política e clima, Mueller evitou comentar diretamente o impacto do cenário eleitoral brasileiro (que elege um novo presidente no próximo ano) no mercado, mas reconheceu que o setor [de seguros] é altamente regulado, e mudanças políticas impactam diretamente o ambiente de negócios.

“O governo tem grande influência sobre os reguladores e as leis – então é evidente que políticas diferentes geram impactos distintos. No longo prazo, isso é muito relevante”, observa.  

Ele lembra que eventos como a pandemia e a intensificação de riscos climáticos colocaram o setor à prova e exigem, cada vez mais, modelos preditivos robustos.

Apesar dos desafios, o CEO da Swiss Re acredita no potencial da América Latina, especialmente do Brasil, que considera um mercado prioritário. “O país ainda não cumpriu toda a promessa que gerou há uma década, mas tem potencial enorme. Queremos estar aqui para apoiar esse crescimento e aumentar a resiliência das sociedades diante das mudanças climáticas.”

The post Tragédias climáticas como no Rio Grande do Sul expõem falhas de proteção no Brasil appeared first on InfoMoney.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.