‘V de magrela’: Deborah Lisboa estreia espetáculo solo

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“Me encontrei nesse lugar do palhaço poder errar”, afirma Deborah Lisboa sobre seu trabalho (Foto: Paula Correa/ Divulgação)

Pela primeira vez, Deborah Lisboa apresenta um solo. “V de magrela“, o nome de sua peça que estreia nesta semana, é fruto de uma caminhada, que já soma 15 anos, dentro da palhaçaria. Depois de tanto produzir espetáculos, sobretudo do Lá na Lona, escola circense que criou em Juiz de Fora, ela tem o espaço e o tempo para falar sobre o que aconteceu nesses anos, a partir de sua personagem-palhaça, com os holofotes todos voltados para ela, apontando ainda para suas vulnerabilidades, os inúmeros desafios e as caminhos que precisou percorrer para que fosse possível ser mulher e palhaça nos dias de hoje. As apresentações acontecem na sexta (8), no sábado (9), e no domingo (10), no Diversão & Arte, sempre às 20h. Os ingressos podem ser adquiridos pelo WhatsApp (32) 98415-6556.

Deborah, primeiro, quis estudar o teatro e foi nessa área que teve contato com sua possibilidade na rua, principalmente através do trabalho desenvolvido por Marcos Marinho por Juiz de Fora. E foi um tempo curto até se encontrar na palhaçaria, que tanto dialoga com o teatro de rua. “Me encontrei nesse lugar do palhaço poder errar. Ele tem esse lugar do improviso que é um lugar que, obviamente no aprendizado é uma coisa difícil, mas de muito conforto para mim. É um lugar onde eu gosto de estar, eu gosto da linguagem da rua, com o público, com o erro, com o improviso”, afirma.

Muito disso foi desenvolvido nos trabalhos que faz na rua e também nas aulas dentro do Lá na Lona, mas faltava ainda o solo em sua trajetória. O que, de acordo com ela, fez com que esse momento “tardasse” foi o fato de ser uma artista independente que precisa assumir inúmeras outras funções, como, por exemplo, a de ser professora (que, claro, também gosta – e muito – de exercer). “Eu gosto de dar aula e optei por também ter meu espaço. Mas eu fui protelando esse sonho de apresentar meu solo por conta dessa demanda: eu preciso de tempo para criar, eu preciso de tempo para ensaiar, eu preciso de dinheiro para financiar o trabalho de outras pessoas para construir isso.”

Ela foi, então, criando, como diz, coragem para isso fosse possível. Foi ainda cavando um espaço e fortalecendo os trabalhos dentro do Lá na Lona de forma que ela tivesse, realmente, tempo de construir o que viria a ser o “V de magrela”. Para que o espetáculo fosse possível, ela fez também um financiamento coletivo, que atingiu 50% da meta estipulada. “Eu consegui ter tempo hábil só agora, 15 anos depois, para eu de fato parar para construir o espetáculo e, ainda assim, com muita luta”, desabafa.

‘V de magrela’ é coletivo

Junto com Deborah, participam uma série de outras pessoas, principalmente artistas independentes, na elaboração de “V de magrela”. Tiago Fonseca e Anna Flora Coimbra assinam a direção e, junto com Deborah, o texto. Tem ainda o Grupo de Pesquisa Avesso que fez a cenografia e o figurino. A trilha sonora foi dividida entre ela e Anna Flora, Renato da Lapa e Tiago. Além deles, outras várias pessoas fazem o espetáculo, de fato, acontecer.

“Nós fomos somando forças. Artistas independentes somando forças para realizar o sonho de uma artista independente. Tem toda essa dificuldade, mas também é um trabalho de resistência. O processo criativo tanto dentro da cena quanto fora dela é de resistência. Não tem outro cenário para a gente e não tem outra escolha.” E ela completa afirmando que os próprios espetáculos que faz servem também para que haja conscientização desse trabalho que é, principalmente, coletivo. “Sempre que eu estou em cena, e eu gosto da rua muito por conta disso, é um espaço de conscientização do público, fazer pensar como isso está sendo feito e porque isso está existindo.”

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Espetáculo é o primeiro solo de Deborah, que estuda e trabalha a palhaçaria há 15 anos (Foto: Paula Correa/ Divulgação)

‘Minha história permeia tudo’

Em “V de magrela” Deborah conta, de alguma forma, sua própria história. “É a minha luta para me tornar palhaça, mulher, sobreviver a todas as violências que a gente vive diariamente.” É um desafio para ela principalmente porque, nesse caso, até o improviso tem hora marcada. Ali, ela é palhaça, mas é também atriz. “Eu faço outros personagens até chegar na história com a minha palhaça. A minha história permeia tudo isso. E a gente revisita situações que eu vivi, obviamente incrementadas pela dramaturgia, e que acabam sendo histórias que atravessam as histórias de todas as mulheres”, antecipa.

O palhaço tem essa força de apontar para as mazelas do mundo falando principalmente sobre si mesmo. São as vulnerabilidades que ficam escancaradas. E a própria origem da palhaçaria reflete isso na medida em que ela é transgressora. “O palhaço consegue, através do riso e do próprio ridículo, fazer rir. A plateia ri porque se identifica. Ela ri dela através do palhaço, que consegue fazer uma crítica social passar do incômodo para o lugar do riso mesmo ou do estranhamento.” Com o tempo, esse ato de ser palhaço foi tomando outros caminhos, mas Deborah afirma que é nesse que ela quer seguir. “É uma marca do meu trabalho como um todo: eu não sei dar aula ou ter um espaço que não seja de acordo com todas essas questões que eu acredito. O meu existir é político.”

A vulnerabilidade de Deborah se apresenta quando ela usa de suas próprias dores para construir e idealizar o “V de magrela”. “O que me motivou a fazer o espetáculo nessa temática são as dores vividas por mim mesma. É exaustivo ter que explicar para o homem o que tem ou não que fazer. Isso é tão cansativo e a gente lida com isso o tempo inteiro. É para falar disso que eu fiz a peça. Eu estava tão exausta que eu pensei que precisava dividir isso com outras pessoas, transformar isso em um outro lugar também. E a arte tem esse papel também na sociedade, de a gente conseguir também fazer reflexões e construir raciocínios juntos.”

O espetáculo pega um punhado de cada história transformada em arte. Pincela a luta das mulheres, das próprias palhaças, da existência do artista independente, e do que é coletivo como necessidade de fazer acontecer. O tempo todo, Deborah faz questão de afirmar que só está naquele espaço, naquele palco sozinha, porque não está sozinha. “Eu só estou ali em cena sozinha porque tem outras pessoas em volta de mim, muitas pessoas envolvidas nesses projeto. Ele só existe porque muitas outras pessoas existiram comigo e resistiram comigo”, finaliza.

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