Bets afastam população da Bolsa? EUA mostram que sim – e Brasil tem outros obstáculos

Aposta "bets" em celular

O mercado bilionário das bets (apostas online), que ganham cada vez mais força no Brasil, é alvo de diversos estudos sobre as consequências para o comportamento da população doméstica, trazendo também paralelos com outros países.

Em relatório especial sobre o tema, o JPMorgan ressaltou estudo recente nos EUA que mostra que “a legalização das apostas esportivas reduz significativamente a participação no mercado de ações, especialmente para famílias com mais restrições financeiras”.

Em outras palavras, o estudo evidencia que, desde a legalização das apostas esportivas nos EUA, em 2018, houve uma diminuição na atividade em corretoras, um aumento nas dívidas de cartão de crédito e um uso mais intenso de saque a descoberto (tipo de empréstimo que permite a um cliente de banco continuar a pagar contas ou a retirar dinheiro mesmo quando a sua conta está vazia, espécie de “cheque especial”), especialmente entre a população de baixa renda.

Por lá, muitas famílias tendem a considerar o investimento em ações como uma forma de jogo, resultando em um efeito de substituição. Segundo o estudo, para cada aumento de US$ 1 em apostas, o investimento em ações diminui em US$ 2, reduzindo os investimentos líquidos em corretoras em 14%.

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O estudo também mostra que os fatores que levam ao aumento nas apostas são uma combinação de curva de aprendizado e influência de amigos e familiares. Desde a legalização, o aumento nas apostas por família tem sido de US$ 25 por trimestre, com o valor médio apostado em US$ 280 por trimestre ou US$ 1.120 por ano. Além disso, o estudo indica que, contrariamente ao que se poderia pensar, o aumento nas apostas esportivas online não leva a uma diminuição no consumo de outros produtos de jogo, como loterias ou iGaming (poquer, por exemplo), e também resulta em um maior consumo de atividades “auxiliares” ao jogo, como restaurantes e TV a cabo.

“Em suma, o estudo conclui que esse hábito provavelmente leva a uma deterioração duradoura na saúde financeira de longo prazo das famílias de baixa renda”, avalia o JPMorgan.

No Brasil, os estudos ainda são preliminares para o mercado de ações. Mas, de acordo com uma pesquisa da Anbima/Datafolha, as apostas são percebidas como uma forma de investimento, e uma parte significativa da população prefere apostar a alocar recursos em qualquer tipo de investimento (fundos mútuos ou títulos públicos, por exemplo).

Atualmente, 60% dos investidores de ações pessoas físicas pertencem ao grupo etário de 36 a 55 anos (32% do total), e o segundo maior grupo são os millennials, representando 11,5%.

Quando se observa o perfil etário ponderado pelo valor total investido, 55% dos investimentos pertencem a pessoas entre 56 e 66 anos; 20% a aqueles entre 46 e 55 anos, enquanto os millennials representam apenas 6,7%. Como seria esperado, o grupo mais próximo da aposentadoria é o que possui mais investimentos. De qualquer forma, esse grupo não deve trocar investimentos por apostas. Por outro lado, a baixa prevalência de millennials e da Geração Z em investimentos em ações pode, em algum momento, refletir sua maior participação no mercado de apostas.

Contudo, outros fatores podem afetar o investimento em ações por aqui, como as altas taxas de juros persistentes no Brasil.

Setores afetados

Empresas de varejo e de telefonia têm destacado nos últimos meses a concorrência das bets pelo bolso do consumidor.

Mais recentemente, outro setor apareceu como afetado pelo aumento dos gastos da população com as bets: o de educação.

Com as empresas já indicando mais um ciclo de captação desafiador (especialmente no ensino a distância), o risco começou a ganhar força nas discussões do setor sobre a demanda no mercado de ensino superior.

Conforme matéria do Globo, a consultoria Educa Insights realizou um estudo em agosto para avaliar o impacto (negativo) dos jogos, destaca em relatório o BTG Pactual.

Após 10,8 mil entrevistas, a pesquisa obteve uma amostra de 2,2 mil respondentes, que responderam às seguintes perguntas: (A) Você deixou de iniciar um curso de graduação no 1º semestre de 2024 porque destinou seus investimentos ao jogo? (B) Você deixou de iniciar um curso de graduação no 2º semestre de 2024 porque destinou seus investimentos ao jogo?; e (C) Você precisará parar de gastar com jogos de azar para conseguir pagar um curso de graduação no início de 2025?

A pesquisa descobriu que cerca de 50% dos que apostam frequentemente gostariam de iniciar um curso de graduação. Embora o mix de respostas não tenha mudado muito nessas três perguntas, o levantamento mostra que 35% dos potenciais matriculados desistiram da educação superior em 2024 porque gastaram seu dinheiro em apostas e plataformas de cassino virtual. O percentual foi ainda maior para famílias de baixa renda.

No universo de indivíduos com renda mensal média de R$2,4 mil, 39% afirmaram ter desistido de se matricular em um curso, assim como 41% dos indivíduos que ganham cerca de R$ 1 mil mensais. Outro dado alarmante, aponta o banco: apenas 37% disseram que talvez parem de apostar em 2025 para continuar estudando.

Assim, apesar das discussões sobre o impacto das apostas no consumo estarem apenas começando, já há sinais de que elas afetam a demanda no mercado de educação. “Coincidentemente, empresas listadas começaram a sinalizar um cenário difícil para as captações no segundo semestre de 2024, especialmente no segmento de EAD (ensino a distância). As primeiras impressões indicam uma concorrência mais acirrada e uma postura mais agressiva”, avalia o BTG.

O banco ressalta que ainda não está otimista com o setor, com as empresas enfrentando neste ano o desafio de provar que seus fundamentos podem se sustentar em meio a bases de comparações anuais mais difíceis e um ambiente regulatório mais desfavorável. Além disso, as apostas parecem ser uma fonte crescente de preocupação no setor.

As taxas de juros mais altas também podem representar riscos negativos para as empresas de educação, já que os balanços continuam alavancados. Assim, prefere adotar uma abordagem relativa no setor. Dado sua baixa exposição ao ensino a distância e boas perspectivas de desalavancagem, a Anima (ANIM3) continua sendo a principal escolha do banco.

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