PEC das Praias volta ao Senado: Proposta tem brecha para taxas e divide opiniões

Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro (Rafael Catarcione/RioTur)

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) das Praias deve retornar ao debate na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado nesta quarta-feira (4). Mas, nas redes sociais, desde o final da semana passada já tem dividido opiniões. Ao visar a transferência dos terrenos de marinha da União para estados, municípios e particulares, o projeto ganhou a defesa daqueles que acreditam que a mudança traria uma maior segurança jurídica e menor tributação aos proprietários. No entanto, há quem aponte para o risco de as praias serem privatizadas e perderem o caráter de bem público

Em defesa ao projeto, o relator da PEC das Praias, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) ressalta que ocorreria apenas a transferência de titularidade dos terrenos de marinha, não das praias em si. “As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido”, disse em uma das emendas acrescentadas à proposta.    

Com isso, ocorreria a extinção dos terrenos de marinha, que são áreas situadas em uma faixa de 33 metros a partir da linha de preamar médio (LPM-1831). Essa demarcação é de 1831, calculada com base na média do vestígio máximo deixado pela maré alta. Desta forma, a propriedade desses terrenos seria transferida para os ocupantes, sejam proprietários particulares, estados ou municípios.  

No entanto, a aprovação da PEC das Praias também resultaria em uma perda significativa para os cofres públicos. Segundo Morvan Meirelles Costa Junior, sócio fundador do Meirelles Costa Advogados, em 2023, a União arrecadou cerca de R$ 1,1 bilhão com as taxas de aproximadamente 564 mil imóveis registrados em terrenos de marinha. 

“Os proprietários de terrenos de marinha pagam duas taxas à União: o foro e o laudêmio. O foro é uma taxa anual, paga pelo uso do terreno. Já o laudêmio é paga quando o terreno é vendido ou transferido”, explica Junior. 

PEC vai privatizar as praias?  

Atualmente, a Constituição Federal prevê que “os terrenos de marinha e seus acrescidos” são bens da União. Na proposta de emenda, tanto o autor, o ex-deputado federal Arnaldo Jordy (Cidadania-PA), quanto o relator, senador Flávio Bolsonaro, argumentam que a linha preamar de 33 metros é um critério que tem gerado insegurança jurídica, sobretudo em propriedades de terrenos localizados em áreas que sofrem com o movimento das marés.

“A União, até hoje, não demarcou a totalidade dos terrenos de marinha. Muitas casas têm propriedade particular registrada em cartório, mas foram objeto de demarcação pela União, surpreendendo os proprietários que, mesmo com toda a diligência, passaram, de uma hora outra, a não mais serem proprietários de seus imóveis.”

— Proposta de Emenda à Constituição n° 3, de 2022

Apesar disso, ambientalistas afirmam que a PEC pode colocar em vulnerabilidade áreas costeiras com ecossistemas diversos — como mangues, áreas com influência de marés, restinga e dunas. “Haverá um aumento das construções e ocupações nessas áreas. Como consequência, o acesso da população às praias poderá ser dificultado ou até mesmo impedido”, diz um manifesto encabeçado pelo encabeçado pelo Grupo de Trabalho para Uso e Conservação Marinha da Frente Parlamentar Ambientalista do Congresso Nacional (GT-MAR) e assinado por 40 organizações ambientais.

Para Luciana Lara, sócia do Lara Martins Advogados e Membro da Comissão Nacional de Mudanças Climáticas do Conselho Federal da OAB, mesmo que a União deixe de ser a proprietária dessa faixa de areia, continuará com o dever de preservar essas áreas. Quanto à privatização, ela descarta a possibilidade. “A fiscalização pública continuará, garantindo o caráter coletivo dos terrenos e o acesso irrestrito”, diz. 

Isso não significa que não haja brechas para que algum tipo de cobrança para visitar as praias possa ocorrer. Pelo menos é isso o que avalia o advogado constitucionalista e professor da da PUC-Campinas Henderson Fürst. “O parágrafo acrescido submete ao plano diretor do município, que poderá estabelecer o pagamento de taxas para o acesso e uso da praia — como taxa de preservação, taxa ambiental, taxa de lixo, entre outras —, bem como restringir o acesso por outros critérios”, alerta.

Decisão política e discussão polarizada  

Embora a discussão seja sobre o fim da titularidade da União sobre os terrenos de marinha, também tem sido alvo de críticas a linha preamar. Em uma publicação na Revista Brasileira de Geomorfologia, pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) criticam o fato de a demarcação de 33 metros ser datada de 1831, com base em “critérios ultrapassados” e sem considerar as mudanças naturais do litoral ao longo de quase 200 anos.

“É evidente a necessidade de atualização do conceito e da orientação normativa utilizada pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU) para a demarcação dos terrenos de marinha. Assim, propõe-se um aumento da faixa de além dos atuais 33 metros e acompanhamento da oscilação da linha de costa, de um local para outro e ao longo dos tempos.”

— Cristiano Niederauer da Rosa, Ulisses Franz Bremer, Gisieli Kramer e Waterloo Pereira Filho, pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)

“É evidente a necessidade de atualização do conceito e da orientação normativa utilizada pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU) para a demarcação dos terrenos de marinha. Assim, propõe-se um aumento da faixa de além dos atuais 33 metros e acompanhamento da oscilação da linha de costa, de um local para outro e ao longo dos tempos”, concluem os estudiosos. 

Caso houvesse essa mudança, a PEC das Praias não seria necessária. Isso porque a alteração poderia ser feita no Decreto-Lei 9760 de 1946, que estabelece que a posição da linha do preamar de 1831 como o limite para o início da terra de marinha. No entanto, a escolha de uma PEC em vez de alterar o decreto pode ser uma escolha política. 

Segundo Henderson Fürst, trata-se de uma prerrogativa do Poder Legislativo escolher como prefere fazer alterações no ordenamento jurídico, incluindo-se o tipo normativo que prefere editar. “Embora pudesse fazer a alteração do Decreto-Lei — e isso seria mais fácil, inclusive, para futuras alterações que se demonstrarem necessárias —, optou-se por uma PEC. Claro que, como ocorreu antes, a PEC também pode ser objeto de análise quanto à sua constitucionalidade”, afirma. 

E se até a escolha de fazer uma PEC pode ser política, a discussão sobre o assunto não deixaria de assumir essa forma. Morvan Meirelles Costa Junior, do Meirelles Costa Advogados, lamenta a polarização da proposta nas redes sociais. “Gerou debates alheios ao intuito primeiro da proposta: a regularização dessas áreas, especialmente em locais de ‘uso’ de diversos municípios e estados brasileiros, o que evidentemente causa insegurança jurídica e potencial conflito federativo.”

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