Brasil celebrar golpe de 1964 é como dinossauro festejar meteoro. Por Leonardo Sakamoto

Tanques militares. Foto: Divulgação

Por Leonardo Sakamoto

Sem a má influência de Bolsonaro no poder, o total de saudosistas do golpe civil-militar de 1964 caiu, mas continua um montante bizarro.

Pesquisa Datafolha, divulgada neste Sábado de Aleluia, aponta que passou de 36% para 28%, entre abril de 2019 e hoje, os que acreditam que a data em que a democracia foi para o vinagre deve ser comemorada como algo positivo. Por outro lado, os que defendem que ela deve ser desprezada foi de 57% para 63%.

No momento do levantamento anterior, Jair e seu governo se esforçavam em tentar reescrever a História, dizendo que não houve um golpe que destruiu a democracia, mas sim uma revolução que a protegeu. O então presidente ordenou que o 31 de março fosse festejado em quartéis. É como se os dinossauros festejassem o meteoro que cruzou o céu há 66 milhões de anos.

Quase 30% da população acha válido comemorar um golpe militar. Deveríamos não esquecer esse número, pois significa que, apesar das instituições construídas para defender a democracia desde 1985, uma parcela não desprezível da população aceitaria substituí-la. Uma república não dorme confortável com esse barulho.

O número é próximo dos 31% que defendem anistiar quem tentou transformar o Estado democrático de direito em geleia no dia 8 de janeiro de 2023, segundo o Datafolha. E os dois números, distantes 59 anos, estão umbilicalmente ligados, lembrando que um golpe que permanece impune semeia novos golpes militares.

Manifestantes durante a ditadura militar. Foto: Divulgação

A reflexão sobre a ditadura não fez parte de nosso cotidiano em comparação a outros países que viveram realidades semelhantes e também almejam ser democracias plenas. Passadas seis décadas de seu início, começamos a esquecer e a relativizar.

E tivemos o azar de eleger uma figura que catalisou esse processo, não em respeito a 1964, mas de olho em 2023.

Bolsonaro agiu como se comandasse um “Ministério da Verdade”, feito o do romance “1984”, de George Orwell, com a função de ressignificar os registros históricos e qualquer notícia contrária ao próprio governo. Para tanto, sua máquina de guerra nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens, atacou violentamente a imprensa, o STF e qualquer um que o criticasse ao invés de lhe dizer amém.

Pois quem controla o passado, comanda o presente. E quem manda no presente decide o futuro.

A saída de Bolsonaro do poder, e a forma como saiu, tentando um golpe de Estado, contribuiu para a redução no número dos que querem bolo, brigadeiro e fuzil para festejar os 60 anos do golpe. Mas não é a última vez em que o Brasil viverá um governo de extrema direita, ou seja, a reinvenção do passado continua à espreita.

Há um caminho longo, através da educação e do debate público, para que a minoria que hoje clama por golpe militar e pela volta da ditadura continue a ser vista pelo restante da sociedade como mal informada, ignorante ou insana – e tratada com todo o carinho possível e paciência. Pois, talvez um dia, compreenda o que significa a liberdade que está diante de seus olhos olhos, mas que não consegue enxergar.

Originalmente publicado no UOL
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